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Reinserção e esperança: o papel do CAPS AD na Penitenciária Feminina de Porto Velho

Com tratamento especializado e acolhimento humanizado, o Projeto Começar de Novo transforma histórias e fortalece a esperança de recomeçar fora dos muros do cárcere.

Por Taiana Mendonça, Mirla Mota e Ângelo Oliveira

Fotografia colorida. Grupo de mulheres em tratamento terapêutico, de mãos dadas em círculo, dentro de uma sala, acompanhadas por profissionais de saúde.
Atividade terapêutica do Projeto Começar de Novo com internas na Penitenciária Feminina de Porto Velho

O Projeto Começar de Novo, realizado na Penitenciária Estadual Suely Maria Mendonça, em Porto Velho, oferece tratamento com suporte técnico e psicológico para  mulheres privadas de liberdade que lutam contra a dependência química. Com uma equipe composta por psiquiatra, enfermeiro, assistente social e psicólogo, a ação visa tratar a raiz do problema, proporcionando um caminho de reinserção social e esperança para um futuro melhor.

O projeto é uma parceria entre o Ministério Público (MP) de Rondônia, a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) e a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), executada pelo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD). A iniciativa responde a uma realidade preocupante no país, onde o consumo de substâncias psicoativas tem se mostrado crescente.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas de 2024, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), cerca de 292 milhões de pessoas usaram drogas em 2022, o que representa um aumento de mais de 20% em uma década. Em dezembro de 2023, cerca de 25,7% da população carcerária brasileira estava presa por crimes ligados às drogas. Somavam-se 168 mil por tráfico, 25,5 mil por associação ao tráfico e mais de 6 mil por tráfico internacional, segundo dados do CNJ e da Secretaria Nacional de Políticas Penais.

https://www.unodc.org/unodc/en/press/releases/2024/June/unodc-world-drug-report-2024_-harms-of-world-drug-problem-continue-to-mount-amid-expansions-in-drug-use-and-markets.html

https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2025/05/2025-05-05-boletim-trafico-privilegiado-final.pdf 

Segundo o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fiocruz,  cerca de 3,2% da população entre 12 e 65 anos já fez uso de drogas ilícitas, o que corresponde a aproximadamente 4,9 milhões de brasileiros. A maconha aparece como a substância ilegal mais consumida, com 7,7% da população relatando já ter feito uso ao menos uma vez na vida. Já a cocaína foi mencionada por 3,1% dos entrevistados como uma substância já utilizada, enquanto o crack aparece com índice de 0,9% de consumo.  INSERIR LINK NO DESTAQUE VERDE: (https://agencia.fiocruz.br/pesquisa-revela-dados-sobre-o-consumo-de-drogas-no-brasil)

O consumo abusivo de álcool também representa um desafio à saúde pública: em 2023, cerca de 20,8% dos adultos nas capitais brasileiras relataram ter feito uso excessivo de bebidas alcoólicas. O índice sobe para 27,3% entre os homens e é de 15,2% entre as mulheres. INSERIR LINK NO DESTAQUE VERDE: (https://prefeitura.sp.gov.br/w/data-alerta-para-o-consumo-de-subst%C3%A2ncias-qu%C3%ADmicas)

O cenário reforça a importância de políticas públicas de enfrentamento à dependência química dentro e fora do ambiente prisional. No sistema carcerário, estudos indicam que entre 70% e 80% das pessoas privadas de liberdade no Brasil fizeram uso de drogas antes da prisão. No entanto, apenas cerca de 10% têm acesso a programas de tratamento durante o cumprimento da pena (Chaiken, 1989; Innes, 1988). INSERIR LINK NO DESTAQUE VERDE

A psicóloga da Sejus e atual Diretora Geral de Políticas Penais, Larissa Iúri Mendonça Guedes, destaca a importância do programa para a saúde física e mental das mulheres privadas de liberdade.“Esta ação é uma das etapas de recuperação, e não só trata a dependência imediata, como coopera para a não reincidência criminal. Ela ainda contribui para o desenvolvimento integral das reeducandas, preparando-as para uma vida familiar e social mais saudável e produtiva após o cumprimento de pena”, explica Guedes.

Equipe multidisciplinar

A atuação de uma equipe multidisciplinar composta por psiquiatra, enfermeiro, assistente social e psicólogo é fundamental para o tratamento da dependência química, pois cada profissional traz uma abordagem que contribui para a recuperação integral das participantes. O gerente técnico do programa e enfermeiro, Ademir Pereira, explica que os profissionais presentes nos encontros são escalados de acordo com a temática que será abordada no dia. Além do acompanhamento técnico, os encontros possuem um momento para trabalhar a espiritualidade, atualmente dirigida pelo pastor evangélico Marcos Roberto.

Pereira relata ainda que o objetivo é ensinar um novo jeito de caminhar, longe dos vícios. O maior desafio da equipe é fazer com que as privadas de liberdade não voltem para o sistema. O enfermeiro explica que o projeto trabalha com a frase “Se continuar fazendo o que sempre fez, continuará sendo o que sempre foi; nada muda a não ser que você faça mudar”.

Impactos

O projeto Começar de Novo teve início em 2009, em Porto Velho, quando foi implementado na Penitenciária Estadual Ênio dos Santos Pinheiro e no Centro de Ressocialização Vale do Guaporé, e funcionou até 2021. Após negociações entre Sejus, Semusa e parecer favorável do MP, o projeto foi reiniciado em 18 de abril de 2024, fortalecendo as ações preventivas de combate ao uso de substâncias.

A diretora da penitenciária feminina, Auricélia Gouveia, afirma que as participantes, em sua maioria, possuem histórico de uso de substâncias entorpecentes e demonstram evolução notável em diversos aspectos, como:

  • Melhorias nos comportamentos agressivos ou impulsivos;
  • Aumento da participação em atividades propostas pela unidade;
  • Melhora no relacionamento interpessoal com outras custodiadas e servidores;
  • Adesão mais consistente às rotinas e normas institucionais.

Para a Promotora de Justiça Alessandra Apolinário, o CAPS AD desempenha um papel essencial na penitenciária feminina de Porto Velho ao oferecer suporte especializado às mulheres privadas de liberdade. Apolinário acredita que a atuação é de grande relevância, pois contribui diretamente para a promoção da saúde mental e para a ressocialização dessas mulheres. “Para o Ministério Público, que inclusive contribuiu para o embrião desse programa anos atrás, essa parceria é importante para a política pública de saúde penitenciária, que não apenas melhora a qualidade de vida das apenadas e reduz a questão das drogas no sistema prisional, mas também fortalece a segurança do estabelecimento, beneficiando toda a comunidade. Espero que se consiga ampliar para outras unidades prisionais”, finaliza a Promotora.

Por trás da grade

Uma das reeducandas do projeto que preferiu não se identificar conta que foi condenada por tráfico de drogas – artigo 33 da Lei 11.343/2006 – e admite que chegou a pensar que nunca se veria livre das drogas. Hoje, aos 29 anos, fica ansiosa pelas segundas-feiras, dia em que acontecem as reuniões. 

“Eu me vi tendo uma nova oportunidade de vida, de mudança, de pensar que a vida do crime não compensa, e o vício da droga também, porque eu usava droga há muito tempo, mais de 10 anos, e achava que eu nunca ia conseguir parar de usar”, conta a reeducanda. 

Enquanto cumpre sua pena, ela participa de cursos profissionalizantes, como de auxiliar administrativo, gestão de propriedade rural e maquiagem para eventos, além de integrar os encontros semanais do CAPS AD. “O Caps ensina uma forma de começar de novo, me sinto especial em poder participar deste projeto”, afirma.

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