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Coleções biológicas da UNIR incentivam pesquisas e preservam a biodiversidade amazônica em Rondônia

Mais de R$1 milhão será investido na modernização das Coleções Biológicas em Rondônia por meio de projeto aprovado no Edital Pró-Amazônia 2024

Por Karen Cavalcante

Fotografia tirada durante o dia, com céu azul e algumas nuvens. Em destaque, um prédio branco com paredes revestidas de pequenos azulejos claros. Na fachada, está escrito em letras grandes e escuras: "COLEÇÕES ZOOLÓGICAS E LABORATÓRIOS INTEGRADOS". Árvores com folhagens verdes fazem sombra sobre parte do prédio e do gramado bem cuidado à frente.
Prédio das Coleções Zoológicas e Laboratórios Integrados da UNIR receberá investimentos para modernização
Foto: acervo do Departamento Acadêmico de Ciências Biológicas.

O projeto “Consolidando as Coleções Biológicas em Rondônia para Expandir o Estudo da Biodiversidade Amazônica”, coordenado pela professora Dra. Mariluce Rezende Messias, recebeu um investimento de R$ 1.183.064,03. O projeto foi aprovado no Edital Pró-Amazônia, em novembro de 2024, e representa o investimento nas Coleções Biológicas da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

Fomentada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a iniciativa contará com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para modernizar e reestruturar as coleções da UNIR. O objetivo é ampliar a capacidade científica da instituição e fortalecer a formação de novos pesquisadores na região amazônica.

O projeto busca reduzir as desigualdades regionais na produção de conhecimento sobre a biodiversidade, além de contribuir para a conservação dos ecossistemas e o uso sustentável dos recursos naturais da Amazônia.

A BIODIVERSIDADE PRESERVADA NO CAMPUS DE PORTO VELHO

O Departamento Acadêmico de Ciências Biológicas da Unir, no campus de Porto Velho, é o responsável por abrigar uma diversidade de coleções biológicas que desempenham um papel essencial no registro e na preservação da biodiversidade amazônica.

As coleções reúnem exemplares de plantas, animais, fungos e microrganismos, fundamentais para documentar a diversidade da fauna e da flora de Rondônia, compreender a distribuição das espécies e acompanhar as transformações ambientais ao longo do tempo.

O acervo de coleções biológicas da UNIR serve de base para estudos científicos, atividades didáticas e ações de conservação. O projeto de consolidação fortalecerá diversas frentes: a realização do inventário e da curadoria, que envolvem a organização, identificação e preservação dos espécimes já existentes; a digitalização e catalogação desses materiais em bases de dados acessíveis ao público e à comunidade científica; a integração dessas informações a sistemas nacionais e internacionais de biodiversidade; e a coleta de novos materiais em campo, o que permitirá a atualização e a expansão dos acervos.

As coleções, consideradas um centro de referência em Rondônia e em nível nacional para o estudo da biodiversidade amazônica, representam as únicas do estado. Elas guardam uma parcela significativa de áreas que sofreram grandes impactos e que já não existem.

Um exemplo é a região do reservatório da usina hidrelétrica de Santo Antônio, onde a supressão da vegetação e a modificação dos ambientes impediram a sobrevivência de parte da fauna e flora. O acervo preserva registros da biodiversidade ao manter a diversidade genética das espécies que existiam em um momento e espaço específicos. 

Vale ressaltar que a diversidade biológica não se repete em populações de outras áreas. Quando ocorre a perda de variabilidade genética, desaparecem não apenas espécies ameaçadas ou exclusivas daquela região, mas também um conjunto genético essencial para o equilíbrio e a manutenção dos ecossistemas.

A BATALHA DIÁRIA PELA PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS BIOLÓGICOS

Em Rondônia, as coleções biológicas assumem ainda mais relevância por estarem localizadas em uma das regiões mais biodiversas do planeta: a Amazônia brasileira. A iniciativa de buscar apoio por meio do Edital Pró-Amazônia surgiu da necessidade de conservar, ampliar e aprimorar a infraestrutura destinada ao armazenamento desses materiais biológicos.

Foto de uma mulher sorridente em um ambiente interno. Ela usa óculos de grau, colar com pequenas pedras coloridas e camiseta camuflada em tons de verde e marrom. Seus cabelos escuros estão presos para trás. Ao fundo, há uma porta branca e parte de um armário de cozinha. A iluminação indica que é dia.
Mariluce Messias, docente e pesquisadora da UNIR, contribui para a preservação da biodiversidade
Foto: arquivo pessoal de Mariluce Messias.

“A gente tem vários problemas com as coleções, como contaminação por fungos e umidade. Essa proposta foi pensada justamente para tentar resolver esses problemas de curadoria e manter o material da melhor forma possível, para conservar e preservar a médio e longo prazos. Tem muitos animais que precisam de um cuidado maior, porque são mais sensíveis às variações de temperatura, umidade e até aos menores ataques de insetos e fungos”, explica Mariluce Messias.

Entretanto, os desafios vão além das questões estruturais. Há também dificuldades técnicas, logísticas e institucionais. Para a coordenadora, a aprovação do projeto representa uma grande vitória, pois competiu com grupos de pesquisa de todo o país, muitos deles com mais pesquisadores e recursos disponíveis.

Ela explica que, de modo geral, os editais de órgãos financiadores impõem desafios ainda maiores às universidades da região Norte, que enfrentam limitações estruturais e financeiras. Por isso, é preciso apresentar justificativas precisas e ter produção científica elevada para captar recursos. A conquista representa uma vitória, mas os desafios permanecem.

Outro obstáculo está relacionado à execução dos trabalhos técnicos. Falta número suficiente de especialistas para colaborar na identificação de vários grupos taxonômicos, especialmente insetos e invertebrados, cuja diversidade é enorme na região. Para suprir essa necessidade, o projeto prevê a destinação de uma parte dos recursos para trazer especialistas até Rondônia.

Além disso, há desafios administrativos. Os docentes, além de ministrarem aulas e orientarem alunos de graduação e pós-graduação, participam de projetos de extensão e lidam com processos burocráticos, como cotação de equipamentos e realização de procedimentos.

Todo esse esforço ocorre sem o apoio técnico adequado, o que sobrecarrega a equipe e dificulta o andamento das atividades. Os desafios não se restringem à infraestrutura física ou à manutenção dos acervos, mas se estendem à dimensão técnico-científica das ações que os docentes precisam desenvolver.

Apesar das dificuldades, o projeto abre espaço para intensa participação acadêmica. Estudantes de graduação e pós-graduação participam de diversas etapas, desde atividades em laboratório e herbários até coletas em campo e organização dos bancos de dados.

Mariana Prestes, 21, é estudante do 6º período de Ciências Biológicas e trabalha na revisão taxonômica dos anuros (sapos, rãs e pererecas) da coleção herpetológica e colabora com a curadoria e organização do acervo. Para ela, o maior desafio é lidar com a escassez de informações atualizadas sobre algumas espécies da fauna regional, o que exige uma pesquisa aprofundada.

Foto noturna de uma jovem segurando uma serpente de coloração vibrante, com anéis laranjas, pretos e amarelos. Ela usa óculos de grau, tem cabelopreso e está com uma lanterna de cabeça. Veste uma camiseta preta. A iluminação foca nela, enquanto o fundo está escuro, sugerindo floresta ao redor.
A discente Mariana Prestes durante trabalho de campo noturno, manuseando com cuidado uma serpente.
Foto: arquivo pessoal de Mariana Prestes.

“Minha paixão por ecologia e taxonomia é o principal fator que me motiva a integrar este projeto. Trabalhar com coleções biológicas me permite aprofundar meus conhecimentos sobre a biodiversidade, especialmente da Amazônia”, afirma Mariana Prestes.

Shelda Ramos, 28, é estudante do 8º período de Ciências Biológicas e está prestes a se formar. Para ela, o mais inspirador é a valorização da biodiversidade amazônica rondoniense. 

Foto noturna de uma jovem sorridente, segurando cuidadosamente um morcego com as asas abertas. Ela usa luvas grossas, camiseta laranja com estampa de animal, calça escura, touca e lanterna de cabeça. A cena ocorre em área de floresta, com lona branca no chão ao fundo, iluminada por lanterna.
A discente Shelda Ramos realiza estudo de campo noturno com morcegos na floresta amazônica.
Foto: arquivo pessoal de Leandro Almeida.

“Nosso estado é extremamente rico em espécies, mas muitas vezes essa riqueza é pouco conhecida. Participar desse projeto me dá a chance de ajudar na preservação de um patrimônio biológico”, conclui Shelda Ramos.

Ramos tem atuado desde a organização do acervo e o apoio à curadoria até às atividades de coleta em campo e digitalização de dados. A estudante  trabalha especialmente nos cuidados à coleção de Chiroptera, ou seja, de morcegos.

Ela explica, ainda, que um de seus maiores desafios é lidar com a grande quantidade de material que ainda precisa ser processado. Em muitos casos, faltam informações ou o estado de conservação exige cuidados especiais. Além disso, equilibrar essas atividades com a rotina acadêmica demanda bastante esforço, mas, segundo ela, a experiência é recompensadora.

O IMPACTO DO PROJETO NA FORMAÇÃO CIENTÍFICA DOS ALUNOS

A chegada de novos recursos por meio do projeto representa para os estudantes algo ainda mais valioso: o conhecimento. A reestruturação das coleções biológicas oferecerá um ambiente mais preparado e equipado, o que favorece o aprendizado prático e teórico, além de ampliar as condições para o desenvolvimento profissional.

Para Ramos, a prática nos laboratórios e o trabalho em campo permitem compreender como funciona uma coleção biológica, os processos de curadoria e conservação, e participar diretamente da coleta e identificação de espécies. “O projeto está ampliando minha visão sobre biodiversidade e isso, com certeza, vai me preparar melhor para atuar na área ambiental”, destaca.

Já para Prestes, a vivência amplia significativamente sua compreensão sobre a distribuição, identificação e importância dos anuros na biodiversidade. “O contato com diferentes grupos zoológicos presentes na coleção tem enriquecido minha formação, preparando-me melhor para ingressar em programas de mestrado e doutorado com uma base sólida em sistemática e conservação”, confessa.

Mariluce Messias afirma que o projeto representa, na formação dos alunos, uma maior facilidade para desenvolver projetos de pesquisa. Além disso, permite que estudantes de mestrado e doutorado trabalhem com o material já coletado, sem a necessidade de ir a campo. A iniciativa ainda promove o estreitamento de laços institucionais e o intercâmbio de conhecimentos com outros especialistas.

Ou seja, para os estudantes, abre-se uma nova perspectiva: atuar futuramente com biodiversidade, curadoria científica ou conservação da Amazônia. Isso incentiva a formação de novos pesquisadores e amplia o interesse pela área de Ciências Biológicas, tanto pela relevância científica quanto pelo impacto direto na preservação da Amazônia.

“A cada dia, me sinto mais conectada com essa área e mais determinada a contribuir para o conhecimento e a preservação da fauna amazônica”, resume Prestes.

COLEÇÕES CONSOLIDAM RONDÔNIA COMO REFERÊNCIA EM PESQUISA E CONSERVAÇÃO

O fortalecimento das coleções biológicas impacta o reconhecimento da importância científica do estado, orienta políticas públicas ambientais e valoriza a biodiversidade regional. Deste modo, Rondônia desponta como polo estratégico na produção de conhecimento sobre a Amazônia.

“A gente empresta muito material, principalmente mamíferos, para o Batalhão de Polícia Ambiental, SEDAM [Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental], SEMA [Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável] e outras secretarias ligadas ao meio ambiente. Eles utilizam bastante essas peças em atividades de educação ambiental, porque geralmente sensibilizam as pessoas, principalmente as crianças”, explica Fernandes.

Com frequência, a SEDAM  e a UNIR estabelecem parcerias em ações de educação ambiental. A SEDAM, por meio da Coordenadoria de Educação Ambiental (CEAM), promove iniciativas que incentivam a conscientização, especialmente entre crianças e jovens.

Na imagem, um homem aparece em um ambiente externo, com grama e árvores ao fundo. Ele está usando uma camisa branca de linho com gola padre e botões frontais, além de um crachá verde e amarelo com a inscrição “SEDAM”. Ele olha diretamente para a câmera com expressão serena.
Leandro Almeida da SEDAM
Foto: arquivo pessoal de Leandro Almeida.

O gerente de Desenvolvimento das Políticas Públicas da SEDAM, Leandro Almeida, 32, explica como os dados e conhecimentos gerados pelas coleções biológicas são aplicados. “Utilizamos como ferramenta educativa para despertar a consciência ecológica nas escolas, comunidades e demais setores da sociedade, porque oferecem exemplos reais da biodiversidade local, histórias de espécies em risco, impactos da degradação ambiental e a importância da preservação dos habitats naturais”, detalha.

Os conteúdos enriquecem as práticas pedagógicas e fortalecem o vínculo entre ciência e sociedade. As coleções despertam curiosidade em pessoas de todas as idades, mas as crianças demonstram ainda mais interesse. Boa parte dos exemplares permite o toque e o contato com a textura do pêlo e das escamas, além de oferecer estímulos sensoriais que favorecem processos diferenciados de aprendizagem.

A imagem mostra um grupo de crianças observando e tocando em animais empalhados dispostos sobre uma mesa. Elas usam uniformes escolares azuis e demonstram curiosidade com os exemplares, entre eles uma pequena onça e um porco espinho. Ao fundo, outras crianças também participam da atividade.
Crianças interagem com exemplares da fauna em atividade educativa.
Foto: Prefeitura de Vilhena.

Em maio de 2025, o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), a SEDAM e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) iniciaram nas escolas municipais uma campanha de educação ambiental. A programação inclui a exposição de animais taxidermizados, cedidos pela UNIR, para ilustrar os efeitos das queimadas sobre a fauna.

No campo das políticas públicas, sensibilizar a população torna-se essencial, sobretudo diante da existência de espécies ameaçadas de extinção, como o Mico-Rondoni. O primata, endêmico do estado, ocorre exclusivamente na parte central de Rondônia, entre os rios Madeira e Ji-Paraná, além da região sul, na Serra dos Pacaás Novos.

Essas áreas sofrem impactos severos causados pelo desmatamento, principalmente devido à presença da BR-364, que atravessa a região e facilita a abertura de estradas secundárias, as chamadas “espinhas de peixe”, responsáveis pela fragmentação do habitat. Por isso, é indispensável que a sociedade pressione o poder público para que adote medidas de proteção às espécies vulneráveis.

Almeida ressalta, ainda, a importância de investir em infraestrutura. “Essas coleções funcionam como bibliotecas da vida. Servem de base para pesquisas científicas, identificação de novas espécies e monitoramento ambiental. Sem uma estrutura adequada, como laboratórios, sistemas de climatização, armazenamento e digitalização, esses acervos correm risco de degradação e podem perder informações valiosas para o conhecimento e conservação da Amazônia”, conclui.

A imagem mostra um laboratório de arquivamento de biologia. No ambiente, há armários metálicos cinza e diversas caixas plásticas empilhadas, todas envolvidas em sacos plásticos transparentes. Dentro das caixas, há arquivos organizados em grande volume. O chão é de granilite e, ao fundo, há uma porta metálica fechada.
Organização de arquivos biológicos em laboratório.
Foto: acervo do Departamento Acadêmico de Ciências Biológicas.

Ao compreender que as coleções biológicas vão além da comunidade acadêmica, Almeida observa que a sociedade passa a reconhecê-las como patrimônio coletivo, fundamental para preservar a memória da biodiversidade amazônica, identificar espécies com potencial farmacológico, agrícola ou biotecnológico e orientar políticas públicas. Esse reconhecimento fortalece a proteção, atrai investimentos e promove uma cultura de cuidado com o meio ambiente e os recursos naturais da região.

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