ANIMAIS SILVESTRES: número de atropelamentos em rodovias alarma
90% da fauna atingida é de porte pequeno, apontam dados
Por Juliana Garcez | Orientação de Allysson Martins e Juliano Araújo
O Brasil possui uma diversidade de animais nativos e é mundialmente reconhecido por sua fauna. A onça-pintada, o lobo-guará e a capivara estão entre os mais emblemáticos. Mas uma grave questão os afeta diretamente: milhares de animais silvestres são atropelados todos os anos nas estradas brasileiras. Embora as rodovias possuam um papel chave no desenvolvimento da sociedade, elas também causam impactos significativos às paisagens naturais.
A estimativa é de que cerca de 475 milhões de animais morram todos os anos em razão de atropelamentos no país, segundo dados do Sistema Urubu, plataforma que realizava levantamento de animais silvestres atropelados. Dentre as espécies atingidas estão os tamanduás-bandeira, cachorros do mato, quatis, antas, onças-pardas, capivaras, sucuris, além de outros animais silvestres.
Por meio dessa mortalidade, muitas espécies têm o seu número reduzido, podendo vir até a se tornarem extintas. Outro impacto que os atropelamentos podem causar à fauna é a diminuição do fluxo gênico, impedindo ou dificultando a reprodução de determinadas espécies”, explana a bióloga Anita Ho-Tong Thomaz, chefe de unidade de conservação da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (SEDAM).

RISCO TAMBÉM PARA A VIDA HUMANA
A falta de sinalização e iluminação nas rodovias são fatores que contribuem para o aumento de atropelamentos e que trazem riscos também para a vida humana. Alguns animais silvestres possuem hábitos noturnos e costumam transitar pelas vias durante a noite, o que acaba causando colisões.
É o caso de Alberone Gama, que se envolveu em um acidente com um porco-do-mato, quando retornava da cidade de Guajará-Mirim em direção a Porto Velho pela BR-425. Próximo ao município de Nova Mamoré, um porco-do-mato pulou na frente do carro e os impediu de continuar a viagem. “Eu estava dirigindo e havia mais três colegas de trabalho no veículo. Cheguei a ver o animal pular na frente do veículo, e nos surpreendemos com o barulho da pancada. O veículo ficou com a frente toda destruída ficando impossível o retorno. Conseguimos contato com um colega de Guajará, que nos deu apoio até a cidade. Só conseguimos retornar no dia seguinte. O animal teve morte instantânea”, detalhou.
O acidente ocorreu no período da noite e o trecho estava escuro, mas ninguém se feriu, apesar da forte pancada. “Era por volta das 20h. Não existe qualquer tipo de iluminação, sendo que em determinados pontos tem que usar faróis altos. Eu acredito que a falta de iluminação contribuiu para o acidente”, comentou. A falta de sinalização na pista também foi pontuada por ele, e é um ponto que gera graves riscos para quem trafega nas estradas, somado à falta de iluminação.
Os pais de Tâmela Costa também se envolveram em um acidente na estrada, mas com uma anta. “Meus pais estavam saindo de Cerejeiras a caminho de Pimenta Bueno [em Rondônia]. Era em torno de 19h, já estavam na metade do percurso quando uma anta correu para atravessar a rua [para fugir de uma onça]. Bateu tão forte e diretamente no capô do carro que ele levantou e chocou com o para-brisa”, explicou.

Os pais tiveram apenas ferimentos leves, embora o carro tenha sido destruído. “Eles ficaram alguns minutos paralisados dentro do carro, e quando minha mãe saiu, viu a onça um pouco mais para dentro da mata, na beira da estrada”, explicou. Tâmela também comentou que eles já haviam visto animais silvestres, como cobras, nessa mesma estrada.
Na estrada onde ocorreu o acidente, não havia nenhuma iluminação. “Nenhum carro parava na rua, e eles só conseguiram socorro umas 22h30. Na época do acontecido, não dava para ver placas de sinalização porque à beira da BR só tinha mato”, finalizou.
IMPACTO NA FAUNA
O atropelamento de animais silvestres é a principal causa de perda crônica de fauna no Brasil, junto com a caça ilegal e o tráfico de animais, como afirma a bióloga Fernanda Abra, em entrevista para a National Geographic Brasil. Enquanto os dois últimos assuntos são mais debatidos, pouco se fala nas maneiras de evitar os acidentes, em como proceder caso aconteça e quais são os prejuízos para a fauna brasileira.
A região Norte é tida como uma das que menos atropela animais silvestres, mas os números ainda são alarmantes, com cerca de 2 milhões de animais mortos dessa maneira por ano. Acidentes como esse em geral são causados por diversos fatores, como a construção de rodovias em meio a locais em que habitam diferentes espécies aliada à falta de planejamento ambiental. O pouco conhecimento e a baixa conscientização da população sobre a gravidade dos atropelamentos também são problemas para a biodiversidade do país.
Rondônia possui uma malha viária importantíssima para o país, que é a BR-364, que liga da região Norte até a região Sudeste do país. “A BR 364, é bem trafegada e responsável pelo escoamento de muitos produtos alimentícios, entre outros. Isso faz com que a movimentação na mesma seja alta e contribuindo para o impacto sobre a fauna local, ou seja, fazendo com que essa sofra com o aumento nos casos de atropelamentos”, esclarece Anita Ho-Tong.
SOLUÇÕES POSSÍVEIS
A sinalização em rodovias pode contribuir muito para a diminuição dos impactos dos atropelamentos de fauna, para a professora Gean Carla Sganderla, do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). As placas alertando as pessoas que passam, sobre a possibilidade de haver animais na pista, também podem ser um dos pontos iniciais do processo de prevenção.
Um aspecto primordial é o conhecimento dos ambientes de determinada área, antes de implementar um empreendimento. “Se for uma área onde foi feito um levantamento para ocorrer um licenciamento ambiental e se identificou que existem muitos animais passando, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que é o órgão que organiza a questão da implementação das estradas poderia fazer passagens de fauna, passagens aéreas, túneis e até viadutos de fauna, em caso de populações maiores de animais”, explicou a professora.
Outras medidas mitigadoras a serem implantas para contribuir para a diminuição dos atropelamentos são placas sinalizadoras, redutores de velocidade (lombadas), cercamentos, pontes e viadutos vegetados, segundo a bióloga Anita Ho-Tong.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA REDUÇÃO DOS IMPACTOS
Um processo mais a longo prazo para ajudar na redução desses impactos é a educação ambiental da população aliada a programas de preservação da fauna que promovam a valorização da biodiversidade brasileira.
As regiões brasileiras que mais fomentam ações voltadas à diminuição dos impactos que as rodovias trazem à fauna são a Sul e a Sudeste, segundo Ho-Tong. “Instituições como o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), a Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET), entre outras instituições, executam trabalhos científicos e ações de educação ambiental, que visam informar a população (civil e governamental) a respeito dos cuidados que estes devem ter com a fauna existente próximos às rodovias e o impacto que o tráfego de veículos pode trazer para a biodiversidade faunística”, descreve a bióloga.

Em Rondônia, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) possui um programa de fauna que monitora a movimentação dos animais silvestres na estrada entre Porto Velho e Manaus. Foi enviado um questionário acerca da atuação do departamento, porém, não houve retorno até a data de publicação desta reportagem.
A região Norte é um “embrião” no que tange as questões sobre atropelamentos de fauna silvestre (e doméstica). Não possuindo até o presente momento nenhuma política pública que vise a proteção destes animais”, delineia Anita Ho-Tong.
A mídia também exerce um papel importante na percepção da importância da fauna, por meio do investimento e divulgação de materiais digitais e didáticos que reforcem a relevância desses animais, para a professora Gean Carla Sganderla. “Quando a mídia explora a questão da fauna de forma negativa, ela perde a oportunidade de ensinar o amor e respeito pelos animais, pois a imagem do animal fica associada a coisas negativas”, comentou.
VIU UM ANIMAL ATROPELADO? SAIBA O QUE FAZER!
O atropelamento de animais silvestres, em geral, não é intencional. Fatores como a baixa visão de motoristas e hábitos noturnos de muitas dessas espécies tornam as rodovias ambientes propícios para acidentes. Ainda assim, alguns procedimentos devem ser seguidos ao se deparar com um animal silvestre atropelado. A recomendação é de que a velocidade seja reduzida e o ato de buzinar ou piscar faróis seja evitado, para não assustar o animal. É importante sinalizar por meio do pisca alerta para que outros motoristas também reduzam a velocidade.
Em caso de animais atropelados, é essencial sinalizar o local para evitar que outros acidentes aconteçam. Não se deve tentar mover o animal, pois essa atitude pode apresentar risco de novos acidentes. O ideal é entrar em contato com a Polícia Militar Ambiental ou Rodoviária do estado, para que sejam tomadas medidas adequadas de identificação e remoção do animal.
SISTEMA URUBU

Pensando no cenário alarmante de atropelamentos de animais silvestres, foi desenvolvido em 2014 um aplicativo para smartphone chamado Sistema Urubu, pelo coordenador do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), Alex Bager. O sistema esteve vigente durante dez anos, mas foi encerrado em 2024. Ainda assim, o seu criador mantém um blog com dados e informações relacionadas ao atropelamento de animais silvestres.
O Urubu era uma rede social voltada para a conservação da biodiversidade brasileira e apontava áreas com risco de atropelamento de fauna. Os voluntários realizavam o envio de fotografias e registros de animais silvestres atropelados por meio de um cadastro no aplicativo.
Os dados enviados eram avaliados por uma equipe especializada e divulgados em um banco de dados que sistematizava as informações. Com o registro de locais com alto potencial de atropelamento da fauna, os pesquisadores também elaboram medidas para mitigar o problema, como projetos de pesquisa, ações com órgãos governamentais e instituições públicas e privadas.
O “atropelômetro” contabilizava em tempo real os animais atingidos, a partir de cada região do país. Havia também dados de espécies mais e menos atingidas, e tipos de estradas em que ocorrem os acidentes.