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Povo Paiter Suruí desenvolve primeiro projeto indígena de crédito de carbono do mundo

Em Rondônia, reflorestamento, etnoturismo e justiça climática viram um modelo que pode transformar a Amazônia. Mais de 1 milhão de mudas já foram plantadas.

Por Loide Gonçalves

Imagem aérea mostra a imensidão da Floresta Amazônica. A paisagem é formada por árvores altas e copas densas em vários tons de verde.
Floresta Amazônica, representando o projeto de reflorestamento do Povo Paiter Suruí. Crédito: Cedoc

O povo Paiter Suruí, do Território Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO), tornou-se referência global ao criar, segundo o líder maior Almir Suruí, o primeiro projeto indígena voltado ao mercado de crédito de carbono. Desde os anos 2000, mais de um milhão de mudas brotaram do chão da floresta, transformando áreas degradadas em vida e esperança.

Atualmente, a comunidade atua em três frentes:

  • Reflorestamento, onde o pasto volta a ser floresta;
  • Enriquecimento da vegetação nativa, promovendo uma fauna e flora mais diversas;
  • Cultivo em sistemas agroflorestais, com foco no café e no cacau.

 “Era muito incomum aqui no Brasil, não se falava muito [sobre mercado de crédito de carbono]. Não tinha nenhum regulamento, não tinha nem lei ou discussão no Brasil sobre a importância do crédito de carbono da floresta brasileira. Mesmo assim, a gente foi o primeiro povo indígena do mundo a transformar um projeto em realidade”, conta Almir Suruí.

Mas afinal, o que é o mercado de crédito de carbono?

O crédito de carbono é uma unidade que representa a redução ou remoção de uma tonelada de gás carbônico da atmosfera. A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Madalena Cavalcante, explica que esse mercado funciona de duas formas: regulado ou voluntário.

No primeiro caso, quem polui mais precisa comprar créditos de quem polui menos. No segundo, empresas podem investir em ações como o plantio de árvores para compensar suas emissões.

“Ele é vendido, ele nasce dessa ideia com essas preocupações climáticas voltadas ao aquecimento global. A ideia é que os países consigam diminuir suas emissões”, explica a especialista.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), só com transporte, cada brasileiro emite, em média, 2 toneladas de gás carbônico por ano. Por outro lado, uma área reflorestada do tamanho de um campo de futebol pode remover mais de 20 toneladas desse mesmo gás da atmosfera.

Em meio a tantos desafios, há quem escolha plantar esperança, como é o caso do projeto desenvolvido no Território Indígena Sete de Setembro, que une saberes tradicionais e tecnologias sustentáveis em busca de um futuro melhor.

“Devagar a gente vem lutando e construindo para que o nosso território se torne um território sustentável, com autonomia do povo indígena e respeitando os direitos de qualidade de vida. Também utilizamos a floresta como um dos mecanismos que possam orientar e transformar nosso projeto em sustentabilidade”, afirma Almir Suruí.

Caminho estreito coberto por folhas secas corta uma área reflorestada no Território Indígena Sete de Setembro. O verde intenso e as muitas árvores mostram o resultado do trabalho de regeneração da floresta conduzido pelos Paiter Suruí.
Uma das áreas reflorestadas no projeto do Território Indígena Sete de Setembro. Crédito: Jonisson Cruz

Desde criança…

Oyago Suruí ainda era uma criança quando, sem entender a dimensão daquilo que estava começando, ajudou no plantio das primeiras árvores do projeto, nos anos 2000.

“Isso aqui foi plantado lá em 2005, quando eu era bem pequenininho. Eu carreguei as mudas. Hoje eu cresci bastante e acompanhei o crescimento dessas árvores. Estou feliz com esse resultado […] Eu consigo ver que, mesmo sem saber, eu estava ajudando no desenvolvimento sustentável”, relembra Oyago Suruí com alegria.

Oyago explica que se trata de um projeto de médio a longo prazo, mas que os resultados já são visíveis. A presença de animais que há muito tempo não apareciam por ali virou rotina. Macacos de várias espécies voltaram a dar o ar da graça, assim como antas, porcos-do-mato e pássaros.

O jovem indígena Oyago Suruí observa com atenção os frutos do cacau em um dos pés cultivados no sistema agroflorestal do Território Indígena Sete de Setembro. Ele veste camisa preta com colar vermelho tradicional e está cercado por árvores em um ambiente de sombra.
Oyago Suruí entre os cacaus plantados por meio dos sistemas agroflorestais no Território Indígena Sete de Setembro. Crédito: Jonisson Cruz

Além do benefício ambiental, os projetos ativos no território geram renda para povos que, por vezes, são esquecidos; potencializam a floresta amazônica e fortalecem o etnoturismo, apresentando de forma responsável a cultura indígena.

O mercado de crédito de carbono tem potencial para gerar renda e preservação. Mas a pergunta é…

Funciona para quem?

Para a pesquisadora Madalena Cavalcante, o modelo precisa ir além da compensação financeira e garantir protagonismo a quem sempre cuidou da floresta. A problemática envolve empresas, inclusive estrangeiras, operando no negócio sem a existência de um órgão fiscalizador.

“Nesse processo, as empresas acabam ganhando muito mais do que as próprias comunidades. E muitas vezes as comunidades desconhecem os projetos. Outras vezes, mesmo conhecendo, são impedidas de utilizar seus próprios territórios”, explica Madalena Cavalcante.

Além disso, segundo a professora, quando um projeto que não tem protagonismo indígena beneficia a comunidade, geralmente isso se limita à melhoria de estradas ou da educação, algo que deveria ser responsabilidade do Estado.

Neidinha Suruí, defensora da floresta, reforça esse pensamento.

“Eu defendo que qualquer projeto, seja de carbono ou qualquer outra coisa, tenha protagonismo indígena. E no caso do carbono, esses projetos têm que ter como proponentes o próprio povo indígena. E por que isso? Primeiro, porque o território pertence ao povo indígena, e a Constituição Federal garante que direitos não se transferem. Você não pode transferir um direito que é indígena a terceiros. Quem tem que propor são os próprios indígenas”, endossa.

Fora da curva

Diferente de tantos outros, o projeto do Território Sete de Setembro reforça a premissa de que a floresta vive quando seus povos vivem bem. Dentro dessa perspectiva, fazer justiça ambiental é também fazer justiça social. Garantir protagonismo a quem defende a floresta é o primeiro passo para um futuro realmente sustentável.

“Eu acredito muito na causa ambiental, acredito muito na causa indígena, na causa dos direitos humanos… Eu sei que tem muita gente na cidade, no campo, em vários lugares, que não está feliz com o que está vendo acontecer. E ter uma voz que tem coragem de ir lá e falar, mesmo sendo ameaçada de morte, mas que tem coragem de dizer: ‘essas pessoas precisam de proteção’, ‘precisam de desenvolvimento sustentável’, ‘precisam ter geração de renda’, ‘precisam ter qualidade de vida e bem-estar’”, afirma Neidinha Suruí.

Almir Suruí, liderança do povo Paiter Suruí, usando um cocar feito com penas coloridas de diversas aves. Ele veste uma camisa verde e olha com expressão séria para a câmera. Ao fundo, vê-se uma estrutura de madeira e vegetação da floresta amazônica.
Almir Suruí, líder maior do povo Paiter Suruí. Crédito: Jonisson Cruz.

Almir Suruí e Oyago Suruí participam ativamente do projeto de crédito de carbono e deixam um recado: é possível gerar renda com a floresta em pé. É possível se desenvolver de forma produtiva com a floresta, usando tecnologia, pesquisa científica e também o conhecimento tradicional do povo Paiter Suruí.

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