Maio Laranja e a luta contra o abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes
Campanha nacional traz à tona maneiras de combater violações dos direitos da infância.
Por Larysse Rodrigues, Olavo Bilac e Ícaro Campos

O abuso sexual infantojuvenil acontece, na maior parte das vezes, em segredo. No silêncio que acompanha a quietude da hora de dormir e também nos momentos em que o ruído do cotidiano rouba a atenção. A violência nem sempre é escrachada.
Um toque na perna, uma massagem nos ombros, um olhar libidinoso; uma fala obscena. A organização civil Faça Bonito, referência na luta pela proteção de crianças e adolescentes, define abuso sexual infantil como ‘qualquer abordagem sexual envolvendo criança ou adolescente’. Já a exploração sexual é caracterizada como uso de crianças e adolescentes para atividades sexuais visando o lucro, como na prostituição, no compartilhamento de conteúdo e imagens de abuso, nas redes de tráfico e no turismo com motivação sexual.
No cenário baseado em estatísticas do Ministério da Saúde e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, na maioria dos casos o crime acontece dentro de casa e é cometido por um agressor que detém poder sobre a vítima. O pai, ou aquele que desempenha o papel de figura paterna (padrasto), é aquele que mais executa a violência, seguido por mães, tios e avós.
Em Porto Velho, de acordo com dados da prefeitura, somente 14,7% dos agressores são desconhecidos das vítimas. 28,5% são amigos ou conhecidos da família. O caráter íntimo das agressões dificulta que as vítimas denunciem o crime – como no caso de Flora Rios*. Flora foi vítima de abuso sexual aos 10 anos de idade. Hoje com 45, ela compartilhou um pouco sobre a violência que sofreu para esta reportagem de Morcegada.
“Não tinha noção que o que ocorreu era um tipo de abuso”, disse. No caso de Flora, o agressor foi um homem que prestava serviços à família. “Apenas na vida adulta entendi que ele se aproveitou da situação”, confessa. Como muitas vítimas de abuso, ela não sabia que aquilo era crime. “Não falei nada para ninguém adulto. Apenas comentava [sobre a violência] com minha irmã mais velha”, relata.
Mesmo quando não denunciado, o crime vem à tona de outras formas. O principal indicativo é uma mudança brusca de comportamento, acompanhada por alteração de humor e hábitos, introversão, medo e pânico. Além disso, algumas vítimas também apresentam marcas de agressões e indícios de doenças sexualmente transmitidas.
Em uma tentativa de combater os crimes sexuais contra crianças e adolescentes e aumentar a conscientização sobre o problema, o Governo Federal executa anualmente a campanha ‘Maio Laranja’, realizada durante todo o mês pelo país. A iniciativa nasceu com a Lei Federal nº 9.970/2000, que oficializou o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e avançou com a Lei Federal nº 14.432/2022 – que oficializou o projeto no território nacional.
O Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, 18 de maio, faz referência à memória de Araceli Cabrera Sánchez Crespo. Aos oito anos de idade, em 18 de maio de 1973, Araceli foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada no Espírito Santo. Por falta de provas e por omissão da Ditadura Militar, o caso nunca foi resolvido.
Durante o Maio Laranja, os governos Federal, Estaduais e Municipais trabalham em conjunto para divulgar ações de conscientização para a sociedade sobre a temática, além de incentivar a comunidade a participar da prevenção e na denúncia de casos de abuso e exploração. O Governo Federal realiza campanhas publicitárias, além de auxiliar as unidades federativas na realização e distribuição dos materiais informativos.
Em Rondônia, a campanha foi oficializada pela Lei nº 6.014, de 25 de abril de 2025, de autoria da deputada estadual Ieda Chaves. Para ela, “a proteção da infância não depende apenas das leis”. Chaves reforça a importância da conscientização realizada pela campanha do Maio Laranja. “A proteção da infância começa com a atenção de cada um de nós. É fundamental que a sociedade esteja atenta e denuncie, acolha e proteja”, afirma.
Também são partes essenciais da campanha a promoção de debates sobre políticas públicas, a capacitação de profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social e segurança pública para identificar, prevenir e lidar com os casos, o estímulo à criação e o fortalecimento de redes de proteção para crianças e adolescentes.
A Prefeitura de Porto Velho promove palestras educativas em escolas municipais, em conjunto com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, as polícias Civil, Militar, Rodoviária Federal e o Conselho Tutelar. Já o Governo do Estado executa campanhas de comunicação pública com distribuição de materiais voltados para crianças e adolescentes, cartazes, vídeos e conteúdos digitais incentivando a denúncia dos crimes sexuais, além de palestras, oficinas, concursos educativos e debates sobre o tema nas escolas e instituições de ensino do Estado.
Apesar das constantes ações e campanhas de conscientização, o número registrado de denúncias de abuso e assédio sexual infantojuvenil ainda é grande. A Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), contabiliza que, no período de 2019 a 2023, foram notificados 659 casos de violência sexual de crianças e adolescentes (0 a 19 anos). A faixa etária com maior taxa de notificação de violência sexual é de 10 a 14 anos. Para meninos, a taxa de incidência de violência sexual é de 13,1 a cada 100 mil. Para as meninas, o número piora – 157,9 a cada 100 mil.
Como identificar e denunciar os abusos
É preciso ficar atento aos sinais e às mudanças de comportamento que as vítimas apresentam. A família, embora também seja a esfera em que os abusos ocorrem, é fundamental para quebrar o ciclo de abusos e exploração sexual – para além disso, vítimas de abuso podem contar com o auxílio de entidades, profissionais e instituições que atuam para garantir apoio e resguardar os direitos de crianças e adolescentes.
Na capital de Rondônia, os atendimentos em casos de abuso contra adolescentes são realizados na Maternidade Municipal Mãe Esperança, para a faixa etária acima de 12 anos. No caso de crianças, o acolhimento acontece no Hospital Infantil Cosme e Damião – HICD.
As vítimas realizam exames, passam por avaliações médicas, recebem assistência para saúde e são encaminhadas para a rede de apoio, como o Conselho Tutelar e outros órgãos dedicados à proteção da infância e juventude. Nos demais municípios, as vítimas são recebidas nas Unidades de Pronto Atendimentos (UPAs).
Em caso de suspeita ou denúncia de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes, a população pode acionar o Disque 100, serviço de denúncia nacional mantido pelo Governo Federal, ou o Disque 190, para contatar a Polícia.
Além disso, é possível procurar o Conselho Tutelar, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente ou o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que funciona todos os dias, 24 horas, na rua Geraldo Ferreira, nº2166, bairro Agenor de Carvalho.