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Travestis buscam formas de existir na prisão

Livro de professor da UNIR apresenta história de quatro travestis

Por Jacqueline da Paixão e Alynne Alves

Rodrigo Casteleira apresenta seu livro mais recente. Fonte: Arquivo pessoal.

Ser detida e presa em uma cadeia do gênero oposto é a realidade de diversas travestis no Brasil. Estratégias de resistências nesses espaços de restrição são necessárias. Essas r(existências) seriam demarcadas pelo cabelo e maquiagem, como um símbolo de feminilidade. As roupas e os relacionamentos também são importantes para as travestis expressarem suas identidades.

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“Des)pregamentos e Táticas nos Cotidianos Narrados por Travestis” é o título do livro do professor da UNIR, Rodrigo Casteleira. A obra, adaptada da sua tese, traz as vivências de travestis que estavam presas em celas masculinas. Por meio de entrevistas, quatro histórias são apresentadas: Mariê, a hackeadora de espaços; Nanda Soares; Pandora; e Santa Tereza Santa.

Com idades entre 18 e 33 anos e histórias de vida diferentes, elas possuem um ponto em comum. Para além das identidades, todas tiveram contato com o sistema prisional, que as segregam e as violentam ao não considerá-las mulheres. No pátio da prisão, as travestis podiam usar um short curto, mas apenas o suficiente para demarcar sua feminilidade. As sobrancelhas eram feitas na gilete, manipulando materiais disponíveis, mas que são contra às normas do encarceramento.

É o que eu chamo resistências de si. Como elas conseguem dentro daquilo que existe de vigilância, controle e coerção, ainda sim, transformar essa relação toda possível de existir dentro desse sufocamento”, comentou.

EXISTINDO NA PRISÃO

Em um ambiente masculino, mulheres trans heterossexuais têm nos relacionamentos com os colegas presos uma forma de sobrevivência. Muitas chegam a casar, impactando positivamente na saúde mental. Essa possibilidade faz com que algumas travestis até prefiram a prisão em cadeias masculinas. Em 2019, o ministro do STF, Luís Barroso, autorizou presas transexuais a cumprirem pena em penitenciárias femininas.

Santa Tereza Santa é um desses casos, pois conheceu seu esposo ainda na prisão. Ela passou oito anos no regime fechado, estando atualmente no semiaberto. “Ele já tinha ouvido falar de mim, Tereza, Terezão. Ele me ligou, aí se apaixonou pela voz”, comenta. Essa foi uma das formas que a fez resistir ao encarceramento.

Apesar de não ter ficado na delegacia por mais de 24 horas, Mariê, a hackeadora de espaços, percebeu a mensuração de seu corpo e de sua identidade através de comparações, constrangimentos e deboches. A travesti não foi agredida fisicamente, como as demais pessoas que foram presas com ela.

Segundo Mariê, a policial demonstrou nojo pela sua presença, quando afirmava a todo o momento que não a tocaria. A oficial ainda debochou do seu short curto. Mariê pede sempre a demarcação de seu nome. “Talvez por seu delito não ter um ‘peso’ jurídico ou por querer demarcar sua identidade, nome e ser reconhecida”, comenta Casteleira.

A vida em liberdade já é hostil com a população LGBTQIA+. A violência dentro da cadeia é ainda pior. É comum o relato de agressões verbais, como xingamentos e comentários maldosos, até violência física e sexual, durante o encarceramento.

Enquanto Mariê não sofreu agressões físicas, Pandora e Santa Tereza não tiveram a mesma experiência, com a primeira sendo agredida já na abordagem policial. Nanda Soares teve o tratamento mais diferente, durante seus dois meses na prisão. Ela foi acolhida por seus companheiros de cela, por quem era vista e tratada como mulher, chegando a ser protegida pelos detentos.

Já o tratamento dos policiais não era respeitoso, pois debochavam, humilhavam e a chamavam pelo masculino. Eles não reconheciam seu nome social, um dos direitos básicos de travestis e transexuais, conforme Resolução nº 270/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

IDENTIDADE COMO ALVO

A maior parte da população LGBTQIA+ presa é formada por negros, jovens e sem ensino fundamental completo. A prisão ocorre, principalmente, por tráfico de drogas. Os dados são de um levantamento feito pelo Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP).

Pandora se encaixa nessas estatísticas. Ela saía de casa para o trabalho, quando foi presa pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO). A travesti apanhou e quebrou duas costelas na abordagem policial, por conta de crimes cometidos por suas amigas. Elas estavam em sua casa como hóspedes e haviam roubado R$ 20 mil de um cliente, além de um notebook. O equipamento eletrônico foi utilizado para saber a localização da casa de Pandora.

A vítima não reconheceu a criminosa na delegacia, alegando que travestis seriam todas iguais, que era difícil reconhecer. Isso a fez ser presa não pelo crime cometido pelas amigas, mas por tráfico, pois encontraram um cigarro de maconha em sua residência. Pandora tinha 24 anos na época e foi indiciada a quatro anos e dois meses, mas permaneceu por onze meses na prisão.

Usar um short curto ou uma roupa justa, quebrar prestobarbas para ajeitar a sobrancelha e relacionar-se amorosamente são estratégias que as travestis encontram para existir na prisão. As ações foram fundamentais para tornar os dias comuns possíveis, mais próximo ao cotidiano das pessoas de fora dos muros. Essas formas permitiram uma resistência sem apagamento da própria identidade.

O livro foi um encerramento de um processo de diálogo. Em relação onde haja mais pessoas que possam falar sobre o assunto, e não falar por elas”, finalizou.

Morcegada

Site jornalístico supervisionado pelo professor e jornalista Allysson Viana Martins, vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

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