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Quadrilhas Juninas mantêm viva a resistência cultural na Amazônia

Bastidores, emoções e história dos preparativos das Quadrilhas para o Arraial Flor do Maracujá

Por Alisson Branco e Beatriz Ribeiro, Porto Velho (RO) — Junho de 2025.

A fotografia colorida mostra uma apresentação típica de festa junina, com um grupo de dançarinos vestidos com trajes coloridos e tradicionais de quadrilha. Eles estão em um palco ao ar livre, cercados por luzes e fumaça cenográfica, enquanto confetes caem do alto, criando um clima festivo. O público pode ser visto ao fundo assistindo ao espetáculo.
Quadrilheiros em cena durante as apresentações nos arraiais de Porto Velho
Foto: por Beatriz Ribeiro

Dança, brilho e tradição tomam conta dos meses de junho e julho em Rondônia. No centro dessa manifestação está o Arraial Flor do Maracujá, que, em 2025, chega à sua 41ª edição como o maior símbolo da cultura popular do estado. Reconhecido oficialmente como Patrimônio Cultural Imaterial por meio da Lei nº 4.635,sancionada em 31 de outubro de 2019, o evento representa não apenas uma celebração, mas também a reafirmação da identidade de um povo formado pela diversidade e pela força das suas tradições.

O festival reúne dezenas de quadrilhas juninas, que passam o ano inteiro se preparando para as apresentações. Da infância à fase adulta, dos bairros periféricos à arena do Parque dos Tanques, o espetáculo é resultado de um trabalho coletivo que envolve dançarinos, coreógrafos, costureiras, músicos e uma rede de apoiadores muitas vezes invisível ao público.

Mais do que um evento cultural, o Flor do Maracujá representa a história de comunidades que contribuíram para o desenvolvimento de Rondônia, especialmente migrantes nordestinos. Para o historiador e servidor da Superintendência da Juventude, Cultura, Esporte e Lazer (Sejucel), Alécio Valois Pereira de Araújo, a origem do arraial está diretamente ligada à classe trabalhadora que participou da edificação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. “O Arraial Flor do Maracujá é uma manifestação popular cuja origem está na classe operária responsável pela construção dessa ferrovia”, afirma.

História de uma tradição

O nome Flor do Maracujá é uma homenagem a uma das primeiras quadrilhas das quais se tem registro em Porto Velho. Ela foi organizada pelo ex-vereador e presidente da Câmara Municipal, Joventino Ferreira Filho, morador do Bairro Triângulo desde a década de 1950.

Apesar do adiamento em junho de 2025 — a pedido da União Junina Porto-Velhense (UNAJUP) — o tempo adicional será importante para que as quadrilhas tenham melhores condições de se preparar para as apresentações. O festival continua movimentando os bastidores: figurinos são confeccionados, coreografias ajustadas e ensaios intensificados, numa rotina que envolve e mobiliza bairros inteiros da capital.

Segundo dados da Unajup, a tradição das quadrilhas juninas em Porto Velho possui registros oficiais desde 1981, com a fundação da Quadrilha Rádio Farol, considerada pioneira na cidade. Ao longo da década de 1980, outras quadrilhas surgiram, contribuindo para o fortalecimento da cultura junina local. Já na década de 1990, o movimento se expandiu, com o aumento do número de grupos e a profissionalização das apresentações.

Atualmente, as quadrilhas estão presentes em todas as regiões de Porto Velho — da Zona Norte à Zona Sul, passando pelo Centro e pela Zona Leste —, conectando comunidades e mantendo viva uma expressão cultural que atravessa gerações.

Quem faz o Flor do Maracujá

O evento é protagonizado por 15 quadrilhas adultas e 7 mirins, filiadas à Unajup. Além das quadrilhas, fazem parte da programação grupos de Boi-Bumbá e de Duelo Tribal, manifestações que complementam o mosaico cultural do festival.

As quadrilhas adultas filiadas são:

  • A Roça é Nossa;
  • Arrasta Pé do Candeias;
  • Coração Dourado;
  • Flor da Primavera;
  • Girassol das Três Marias (A Explosão do Norte);
  • JUABP;
  • Jucadiro;
  • Junina Tradição;
  • Matutos do Guaporé;
  • Matutos do Socialista;
  • Mocidade Junina;
  • Nova Junina do Orgulho;
  • Rádio Farol;
  • Rosa de Ouro;
  • e Rosa Divina.

Entre as quadrilhas mirins estão:

  • A Roça é Nossa (Mirim);
  • Explosão Junina;
  • Luar do São João;
  • Nova Junina do Orgulho (Mirim);
  • Rádio Farol (Mirim);
  • Rosa de Ouro (Mirim);
  • e Rosa Divina (Mirim).
O gráfico detalha a localização e concentração atual desses grupos pela cidade, especificando sua presença nos bairro: Zona Sul -Junina Tradição, Coração Dourado, Centro - Rosa Divina, Matutos do Socialista e Flor da Primavera,, Zona Leste - Nova Junina do Orgulho e Zona Norte - Explosão do Norte e Rádio Farol.
Gráfico apresenta a atual distribuição dos grupos pela cidade de Porto Velho

Também participam os Bois-Bumbás Adultos: Tira-Teima, AZ de Ouro, Corre Campo, Diamante Negro, Estrela de Fogo, Marronzinho e Teimoso. E os Bois-Bumbás Mirins: Estrelinha e Veludinho. No Duelo Tribal, três grupos representam a cultura: Waitku Mayakan, Yameé e Yaporanga.

O trabalho que antecede o espetáculo

A fotografia mostra uma quadrilha junina se apresentando à noite em um palco iluminado. Há muitos dançarinos, com cerca de 20 a 30 pessoas visíveis no palco, todos vestidos com trajes típicos e coloridos de festa junina. Ao fundo há um cronômetro (é isso mesmo) que [INSERIR AQUI A FUNÇÃO].
É espetáculo que fala, né? A quadrilha junina ilumina a noite em Porto Velho com cores, ritmo e muita energia no palco! Foto: por Alisson Branco
A grandiosidade das apresentações é fruto de um processo que começa muito antes da entrada na arena. Os ensaios ocorrem, em sua maioria, em quadras de escolas públicas. A preparação envolve não apenas os passos da dança, mas também a criação de figurinos, adereços e cenografias.

Para o coreógrafo Abnner Assunção, que atua nas quadrilhas Matutos do Triângulo e Rosa Divina, o desafio está em conciliar tradição e inovação. “Busco referências na musicalidade, nas letras e nos ritmos. O São João tem danças muito específicas. Meu tema deste ano é ‘A Noite de São João’, o que me permite explorar um universo vasto, sem perder a essência da tradição”, explica.

Para a dançarina Rebeca Rocha, da quadrilha A Roça é Nossa, que dança desde os seis anos, o sentimento que a move é especial. “Quadrilha, para mim, é tudo. A ansiedade para o Flor do Maracujá está a mil. Mas no final dá tudo certo, porque é amor demais pela cultura”, afirma.

Essa cadeia produtiva se estende às casas de costureiras, aderecistas e músicos. Todo o processo mobiliza profissionais que, muitas vezes, encontram no festival uma fonte de renda significativa.

O presidente da quadrilha JUABP, João Big, revela que o grupo precisou se desdobrar entre o Flor do Maracujá e uma competição interestadual no Ceará. “O desafio é gigante. No Ceará, dançamos com 24 pares; no Flor, são 56. Temos apenas uma semana para reorganizar tudo. Investimos mais de 600 mil reais, principalmente em figurinos, cenários e alegorias. Grande parte desse material vem de Parintins, no Amazonas, onde os artistas também atuam no Festival de Parintins”, detalha.

De onde vem o apoio financeiro

Segundo informações de Alécio Valois, o suporte financeiro para o Flor do Maracujá e para a manutenção, além de patrocinadores das quadrilhas, tem como principal fonte o poder público estadual. A Sejucel criou o Programa de Proteção do Patrimônio Histórico Cultural Imaterial, com o objetivo de salvaguardar os bens culturais intangíveis, como é o caso do Flor do Maracujá, que está registrado no Livro de Registro de Celebrações do Povo Rondoniense.

Por meio desse programa, a Sejucel atua no fomento e na preservação das manifestações culturais, garantindo recursos e apoio técnico para que essas expressões permaneçam ativas e possam ser transmitidas às futuras gerações. A atuação ocorre em parceria com a Unajup e com a Federação de Quadrilhas e Bois-Bumbás de Rondônia (FEDERON). A construção do Plano de Salvaguarda, elaborado pelas próprias entidades culturais, também conta com a mediação e o apoio da Sejucel, que viabiliza repasses financeiros destinados à sustentabilidade dos grupos.

Cultura, inclusão e resistência

As quadrilhas também desempenham um papel social relevante, funcionando como espaços de acolhimento, formação cultural e resistência, especialmente para jovens de comunidades periféricas e para a população LGBTQIA+.

De acordo com o historiador Alécio Valois, o Flor do Maracujá vai além do entretenimento. “Muitos dos integrantes são crianças, jovens e pessoas LGBTQIA+, que encontram nas quadrilhas um ambiente de apoio, fortalecimento e pertencimento”, destaca.

Ele conta que o que o público vê na arena são dez noites de celebração, que representam um trabalho que dura o ano inteiro. “Além do aspecto cultural, esse trabalho tem um profundo impacto social, oferecendo alternativas para crianças e jovens, afastando-os da criminalidade e do abandono”, afirma.

Entre desafios e resistência

A foto mostra um grupo de pessoas de várias idades vestindo roupas típicas e coloridas de quadrilha junina, como vestidos rodados com fitas e babados, e camisas xadrez com calças. Eles estão em um espaço interno, provavelmente nos bastidores, reunidos e interagindo enquanto se preparam para uma apresentação de quadrilha. As cores predominantes nas roupas são azul, vermelho, amarelo e branco.
Nos bastidores da alegria junina em Porto Velho! Nossa quadrilha se prepara, com suas cores vibrantes e energia contagiante, para levar a magia de São João ao público. Foto: Por Alisson Branco

Mesmo com o reconhecimento como patrimônio imaterial, os desafios persistem. A falta de apoio financeiro, o patrocínio limitado e a baixa visibilidade fora da região são obstáculos enfrentados pelos grupos. O adiamento da edição deste ano reflete as dificuldades estruturais, que exigem dos organizadores ainda mais resiliência para manter viva a tradição.

Para quem acompanha, o impacto da festa é incontestável. O espectador Joelson Silva enfatiza que, além do comprometimento dos brincantes, “As roupas, as alegorias e todo o empenho são impressionantes. Para quem dança, ganhar o Flor do Maracujá é o auge”, relata.

Por trás de cada passo, há mãos que costuram, instrumentos que ensaiam e comerciantes que se organizam. Renata, vendedora há três anos nos arraiais, conta: “A festa é muito boa. Movimenta tudo. Este ano, tô com fé que estarei vendendo no Flor do Maracujá novamente”.

“O Flor do Maracujá é mais do que uma festa. É resistência, é cultura, é história”, resume Joelson. E enquanto houver quem grite “olha o arrasta-pé”, a cultura popular continuará pulsando na Amazônia.

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