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CREMAÇÃO: incineração dos corpos evita superlotação de cemitérios

Administração municipal descarta instalação, mesmo com benefícios ao meio ambiente

por Renato Spagnol

Em março de 2019, a prefeitura de Vilhena convocou uma Audiência Pública para debater a superlotação do cemitério local, quando três propostas foram apresentadas à população. Em nenhuma delas, estava a opção de serviços de cremação. A prática ganha força em grandes centros, mas ainda é rejeitada em pequenos municípios. Sem apresentar dados, o prefeito de Vilhena, Eduardo Tsuru, apresenta três motivos para a não escolha da cremação: alto custo de instalação e manutenção, em comparação a um cemitério tradicional; agressão ao meio ambiente e predominância de cristãos na região, limitando a procura pelo serviço.

Entre 8 % a 9% dos mortos no país são cremados, segundo dados do Sindicato dos Cemitérios e Crematórios particulares do Brasil (SINCEP).

Com seu primeiro sepultamento registrado em 26 de agosto de 1969, o Cemitério Municipal Cristo Rei tem cerca de 10 mil corpos enterrados e atingiu 95% de sua capacidade em 2019, de acordo com a prefeitura. A média de enterros na cidade é de 40 por mês, com uma população estimada em 100 mil habitantes neste mesmo ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o espaço disponível, será possível realizar novos sepultamentos pelos próximos seis meses, diz a administração do cemitério.

Com a falta de espaço, corpos são sepultados nas ruas do cemitério de Vilhena. Foto: Renato Spagnol
Com a falta de espaço, corpos são sepultados nas ruas do cemitério de Vilhena. Foto: Renato Spagnol

Para o empresário e agente funerário, Ademilson Silva, a implementação de um crematório público e a verticalização do cemitério ajudariam a conter a superlotação do espaço do Cristo Rei. A perspectiva de baixa procura pela cremação e o alto custo de instalação representam os maiores empecilhos. “O investimento para se construir um crematório está em torno de R$ 3 milhões. Em 30 anos trabalhando nesse ramo, fomos procurados por nove famílias e fizemos o trabalho de modo terceirizado. A cultura, a religião e a tradição familiar ainda impedem que esse tipo de serviço ganhe campo”, explica.

A construção de um novo cemitério nos moldes tradicionais seria uma solução viável, porém não no valor estimado pela administração municipal, segundo Silva. Na Audiência Pública no mês de março, a prefeitura apresentou um projeto orçado em R$ 10 milhões para a construção de um novo espaço. O empresário garante que com R$ 600 mil é possível a abertura de um cemitério de 1ª linha na cidade. Ainda de acordo com o entrevistado, o cemitério de Vilhena já não suporta mais sepultamentos desde o mês de abril de 2019. De lá para cá, os enterros acontecem nas ruas do local.

A secretária de meio ambiente de Vilhena, Marcela Rodrigues, garante que “todas as covas são isoladas e o enterro de corpos na terra nua é proibido, sendo necessária a utilização de urnas impermeabilizadas, que evitam a contaminação do solo”, revelou. Contudo, assumiu que nos arquivos da Secretaria não há registro de estudos de impacto ambiental referentes à área do cemitério.

CORPOS INCINERADOS

A cremação nada mais é que a incineração de cadáveres. Esse processo é feito por meios de fornos especiais, que cremam corpos em compartimentos isolados. Cada corpo permanece, em média, de duas a três horas no local, quando restam apenas as cinzas. Só algumas partículas inorgânicas, como os minerais que compõem o osso, resistem aos quase 1.000ºC. Os resíduos que compõem as cinzas pesam, geralmente, entre 1 e 2 kg para um adulto de tamanho médio.

Para o Agente funerário, Ademilson Silva, a baixa procura da população inviabiliza investimento em forno crematório. Foto: Renato Spagnol
Para o Agente funerário, Ademilson Silva, a baixa procura da população inviabiliza investimento em forno crematório. Foto: Renato Spagnol

O processo de cremação pode ser realizado conforme o desejo de cada um que informou à família em vida. Quando os parentes se recusam a atender o pedido, o procedimento não é realizado. A única restrição à cremação é se houver morte violenta. Neste caso, ela só é feita se a família conseguir autorização judicial.

Após a cremação, a família escolhe o destino das cinzas. Tem-se a opção de levá-las para um local significativo, dentro de uma urna, ou ainda deixá-las em uma incineraria, espaço disponível no cemitério que abriga os restos mortais e objetos pessoais do falecido. “Os destinos escolhidos pela família são vários. Há quem coloque as cinzas em urnas hidroecológicas, que são enterradas com sementes para depois virar uma flor ou árvore”, explica Nilson Marques, proprietário de um crematório no Mato Grosso.

Para os mais extravagantes, existe a possibilidade de transformar as cinzas em diamante, com os restos mortais guardados como uma joia. Esta opção custa mais caro, de R$ 33 mil a R$ 121 mil. O chamado Diamante in Memoriam ainda não é realizado no crematório do Mato Grosso, no entanto, já existe no país centros especializados para isso. Em Porto Alegre, transformar cinzas humanas em pedra de diamante é realidade desde 2013. O diâmetro de cada pedra varia entre 3,8 e 6,5 milímetros e para produzi-las bastam 500 gramas de pó humano, segundo o gestor do crematório porto-alegrense, Rafael Azevedo.

A preocupação com o meio ambiente é um dos pontos para a escolha da cremação. Quando o procedimento é feito de maneira adequada e em locais seguros, libera somente água e gás carbônico – e este em porcentagens pequenas. Como os resíduos tóxicos são retidos em filtros específicos durante a cremação, evita a contaminação do ar com gases poluentes. Esses filtros são responsáveis por reduzirem a emissão de dióxido de carbono, feita de acordo com os padrões ambientais.

CEMITÉRIO TRADICIONAL

A contaminação do subsolo e do lençol freático é um dos grandes riscos de um cemitério tradicional. O necrochorume, líquido viscoso de alto potencial poluidor, é decorrente da putrefação dos corpos e se forma pelo processo de decomposição. Ele possui uma cor castanha-acinzentada, resultado de uma mistura de sais minerais, água, substâncias orgânicas degradáveis, elevada quantidade de vírus e bactérias e outros patógenos.

Um exemplo dos riscos à população do necrochorume vem da cidade de Juína, em Mato Grosso, divisa com Vilhena. O Ministério Público Federal (MPF) multou o município em R$ 100 mil, por conta da contaminação do solo. O solo deve ter uma taxa de baixa permeabilidade, a sepultura deve ter uma altura de 1,5 metro do lençol freático e respeitar distância uma mínima de corpos hídricos superficiais e subterrâneos. Essas indicações estão na Resolução Nº 335 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que trata do licenciamento de cemitérios.

MATO GROSSO TEM CREMATÓRIO

O local mais próximo à cidade de Vilhena que disponibiliza o sistema de cremação é a cidade de Cuiabá, capital de Mato Grosso. O Crematório Bom Jesus nasceu em 2018 através de uma parceria entre o cemitério Parque Bom Jesus e a Pax Nacional Prever, empresa que comercializa planos funerários e homenagens póstumas. Para atender uma população de mais de 600 mil habitantes, o crematório oferece o serviço, que varia de R$ 3,8 mil a R$ 4,8 mil. O custo é quase o mesmo de um enterro tradicional, de R$ 3 mil na média nacional, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário (ABREDIF).

O proprietário do crematório, Nilson Marques, diz que o processo de instalação levou 12 anos e representa uma conquista para o Estado. Ele lembra que muitos cuiabanos buscavam a cremação em centros como Goiânia ou São Paulo a custos variáveis, de R$ 6 mil a R$ 10 mil. Para Marques, a oferta do serviço na capital representa economia e traz benefícios ao meio ambiente. “A cremação polui oito vezes menos que um cigarro aceso e emite 50 vezes menos gás carbônico que uma moto que percorre um espaço de 100 metros. O impacto ambiental é praticamente zero”, defende.

Morcegada

Site jornalístico supervisionado pelo professor e jornalista Allysson Viana Martins, vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

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