PAIXÃO SOBRE RODAS: um retrato da força que move o país
por João Regert e Luciana Pereira
O Brasil tem a quarta maior malha rodoviária do mundo, perdendo em tamanho apenas para Estados Unidos, China e Índia. Com aproximadamente um milhão e meio de quilômetros de rodovias, possuímos apenas 13% delas pavimentadas, onde são escoadas 75% de todas as cargas transportadas pelo país. Aproximadamente, dois milhões de caminhões circulam pelo país de Norte ao Sul.
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Por essas rodovias, estão aventureiros modernos e apaixonados pelas estradas, os caminhoneiros. Eles trabalham, num misto de saudades e companheirismo, onde a falta de quem fica em casa é apaziguada pelas amizades que a estrada traz. Esses navegantes modernos, no lugar do mar, encontram terra, lama e asfalto.

Com olhos marejados de um velho lobo do mar, Edson Soares, de 56 anos, admira a rodovia que passa em frente à sua oficina, fruto de 30 anos de trabalho como caminhoneiro. A empresa que ele administra junto com os dois filhos é especializada em manutenção de caminhões. Sereno, porém, convicto, admite que já chegou o momento de parar de viajar e se dedicar à oficina e aos netos, pois ele não esteve presente no crescimento de seus filhos: “Foi um tabu, acompanhar o crescimento deles foi quase impossível. Sempre estava longe e a maior responsabilidade ficava a cargo da esposa”, revelou.
Por 30 anos, Edson se dedicou à profissão. Acostumado a passar as noites no caminhão durante as viagens, agora reaprende a dormir em casa. “Às vezes, perco o sono e fico rolando na cama de madrugada porque me acostumei com a cama do caminhão”, contou. Por várias vezes, chora quando dá saudades do caminhão e dos amigos que deixou pelas estradas. “Eu olho para a estrada e parece que meu caminho é para lá. A estrada se torna parte da gente”, afirmou.
Como no mar, não são só velhos lobos circulam. Os rostos se renovam e o transporte de cargas continua pelo país. Pessoas como David Lucas, de 33 anos, passa os seus dias dentro da boleia do caminhão, literalmente. Há três anos, ele faz parte do grupo de milhares de caminhoneiros que têm o caminhão não só como meio de sustento, mas também como lar. Diferente de Edson, David não tem um núcleo familiar para retornar depois das viagens.

David lamenta por não ter um lar e uma família aguardando ao final de cada viagem, mas não perde a esperança de se casar. “Moro no meu caminhão, não tenho parada fixa porque não tem ninguém que me espera em algum lugar. O sonho de qualquer homem que está nessa vida de caminhão é sem dúvidas chegar ao final de uma viagem e ter uma família esperando. Um dia vou ter a minha, é só eu ter fé em Deus”, disse.
SAUDADE E TRAGÉDIA MARCAM A VIDA DOS FAMILIARES

Filha de caminhoneiro, Nayara Escobar, de 24 anos, teve que se conformar com a ausência do pai, Luiz Carlos, em momentos importantes da vida dela. Das festas de aniversário até o casamento, Nayara relembra os momentos angustiantes. “Quando criança, eu esperava ansiosa pela chegada dele nas festinhas de escola e nos aniversários. Me casei há menos de um ano e o maior medo era que meu pai, por causa das viagens, não chegasse a tempo para me levar até o altar”, afirmou.
Em 2017, o pai de Nayara caiu do caminhão, enquanto puxava a lona. Segundo a jovem, acompanhar o sofrimento do pai durante a recuperação foi angustiante. “A coisa mais triste da vida de um filho é presenciar o pai, aquele que sempre fez de tudo para criar os filhos, deitado, sem poder se mover porque o acidente foi muito grave. Ele usava fraudas e por várias vezes os banhos foram de toalhinha porque não podia se mover”, contou.
Viúva há 4 anos, Tatiane Pinto da Silva, de 36 anos, perdeu o marido Adão Ferreira da Silva, em um acidente de trânsito na BR 364. Com um filho do casal para criar, ela recebeu ajuda dos caminhoneiros colegas do esposo, para conseguir comprar a comida e pagar o aluguel da casa. Ainda hoje, Tatiane chora ao se lembrar do acidente.

“Eu me lembro que não me deixaram reconhecer o corpo porque o acidente foi terrível, ficou irreconhecível, mas a gente sabia que era ele por causa do caminhão e do colega que estava em outro caminhão logo atrás e presenciou o acidente”, falou triste.
Tatiane relembra momentos de terror que sofreu quando seu esposo faleceu e culpa más condições nas estradas pelo ocorrido.
Viúva descobriu que era forte após morte do esposo e diz que venceu os obstáculos.

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