Prefeitura de Porto Velho não tem projetos para implantação de bibliotecas nas escolas
Das 141 escolas da rede municipal, apenas 23 possuem biblioteca
por Ana Laura Gomes | Orientação: Larissa Zuim
As bibliotecas escolares são amparadas por lei com obrigação do estado e dos municípios a implantarem e a universalizarem. Em Porto Velho, informações a respeito das bibliotecas escolares são escassas. Projetos, metas, políticas públicas, nada ou pouco se ouve sobre o tema. A falta das bibliotecas prejudica não só os estudantes, como também toda a equipe pedagógica e a comunidade que mora no entorno da escola.
Em 2020, após 10 anos da sua promulgação, a Lei nº 12.244, que trata da universalização das bibliotecas escolares, chegou ao seu prazo final. De acordo com a lei, todas as escolas deveriam ter espaços estruturados de leitura. Esses locais precisam ter no mínimo um livro para cada aluno e ser administrados por profissionais habilitados em biblioteconomia. A lei considera biblioteca escolar a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinado a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2018, das 180 mil escolas brasileiras, 98 mil ou 55% não têm biblioteca escolar ou sala de leitura. De acordo com a prefeitura do município de Porto Velho, a rede municipal possui 141 escolas, sendo 84 escolas urbanas e 57 escolas rurais. O dado mais alarmante informado pela prefeitura é que, desse quantitativo de escolas, apenas 23 possuem biblioteca escolar, demostrando o não cumprimento da meta dentro do prazo estipulado. De acordo com os dados preliminares do Educacenso 2022, 43.016 estudantes são atendidos por essas escolas.
Em relação a esses dados, a bibliotecária Priscila Guarate, que trabalha na biblioteca Francisco Sales do Instituto Maria Auxiliadora, diz que “o governo não tem interesse em ter bibliotecas dentro das escolas, a biblioteca hoje é vista como um gasto desnecessário, tanto é que algumas dessas 23 escolas com certeza, a maioria ou uma grande parte não tem profissionais bibliotecários registrados. Ou é um professor afastado, ou alguém de outra área. Então não há esse olhar de importância para as bibliotecas, isso eu creio que seja algo cultural. É muito mais uma questão de interesse do governo, das pessoas que estão ali no poder, de implantar as bibliotecas. Porque está na lei, tem que ter, é uma obrigação, mas ainda assim nós vemos que não é uma realidade nossa”.
Por outro lado, a profissional explica que a biblioteca escolar tem a responsabilidade de estimular no aluno o hábito da leitura, a disseminação do conhecimento, além de ajudá-lo a desenvolver um pensamento crítico. O estudante deve aprender ainda a usar os livros para pesquisa e estudos. Segundo Guarate, a biblioteca é um suporte pedagógico da escola para o ensino do aluno.
Investimentos, projetos e profissionais capacitados. É a falta desses três principais fatores que caracterizam o número baixo de bibliotecas nas escolas da rede municipal de ensino em Porto Velho. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (SEMED), não existem projetos em andamento para a implantação de bibliotecas em todas as escolas da rede municipal, pois há duas grandes bibliotecas municipais que atendem os estudantes das escolas da rede.
A capital de Rondônia abriga pelo menos três bibliotecas públicas: a Biblioteca Pública Estadual Doutor José Pontes Pinto, localizada na Avenida Farquar, região central de Porto Velho; a biblioteca municipal Francisco Meirelles, localizada na rua Dom Pedro II, no centro da cidade; e a biblioteca municipal Viveiro das Letras, na Avenida Jatuarana, na zona sul da capital.
Jussara Pimenta é pedagoga, doutora em educação e coordenadora de pesquisa sobre as bibliotecas escolares. Ela explica que as bibliotecas nas escolas são voltadas para o atendimento não só dos estudantes, mas também de toda a comunidade no entorno. Isso torna fundamental a implantação das bibliotecas na rede municipal de ensino, para que não seja necessário o deslocamento dos estudantes e da comunidade em geral até os grandes centros para ter acesso aos livros.
“A comunidade escolar não é formada apenas por professores, alunos e funcionários, ela é estendida, também fazem parte da comunidade os pais dos alunos e os moradores ao redor. Então a biblioteca tem que tá aberta para a comunidade, tem pessoas que precisam. Em muitos bairros, a única biblioteca acessível é a da escola. A cidade tem apenas duas bibliotecas públicas, mas Porto Velho é uma cidade grande, se você quiser um livro às vezes vai ser necessário pegar dois ônibus”, diz Pimenta.
Outro observação feita é a definição de bibliotecas escolares. “Quando você vê o Censo Escolar, qualquer escola que tenha livros eles consideram como tendo uma biblioteca, é a definição que eles usam. Mas quando você visita as bibliotecas escolares municipais de Porto Velho, você descobre que é um corredor, é uma sala que não cabe nenhuma mesa, ou é uma sala cheia de estantes de livros didáticos, os acervos de livros de literatura são raros, são poucos. Não tem funcionário atendendo, não tem horário para os alunos visitarem, então ela não existe, é um espaço que não é usado para essa função”, define a educadora.
Essa biblioteca fica apenas emprestando livros para o aluno, ela não faz nada, os professores não têm projetos de leitura, então a biblioteca é só um lugar onde você vai pegar livro, às vezes ela tá fechada, às vezes não tem ninguém para trabalhar na biblioteca, e fica fechada. Assim, na maioria das bibliotecas que pesquisamos, um pouco mais de vinte, nas escolas municipais de Porto Velho, em apenas 6 tinham funcionários atendendo e a biblioteca ficava aberta para os alunos, e geralmente ficava aberta apenas na hora do recreio”, ressalta a pedagoga Jussara Pimenta.
Uma das escolas que possui biblioteca, de acordo com a SEMED, é a escola municipal de ensino fundamental Padre Chiquinho. Localizada na Avenida Campos Sales, na zona sul da cidade, a escola atende crianças do primeiro ao quinto ano. Por ligação telefônica, a diretora Maria da Gloria Nogueira Chaves Rocha informou que a escola está em reforma, e que nesse período os alunos estão lotados no Centro Salesiano do Menor. A reforma do espaço, que atende 448 alunos, tem previsão de um ano e meio de duração. Em relação à biblioteca, a diretora informou que os atendimentos são dirigidos pelos professores, e que a escola não tem um profissional formado em biblioteconomia.
Os estudantes possuem um horário semanal de incentivo à leitura, para visitar a biblioteca e ter acesso aos livros, os professores também fazem uso dos livros e projetos dentro da sala de aula. Os estudantes podem levar os livros para casa, em um sistema conhecido como maleta viajante, e devolver posteriormente após o fim da leitura. A sala que abriga a biblioteca possui rede de acesso à internet, mas não tem computador disponível para os professores e para os estudantes. A diretora informou que, dentre as prioridades após a conclusão da reforma, está a compra de computadores e a troca da mobília da sala.
Dentre as 23 escolas com biblioteca, também está a Escola Municipal de Ensino Fundamental Antônio Ferreira da Silva. A diretora Andrea Batista mostra a biblioteca que, por conta do seu acervo de livros, ela chama de sala de leitura. “A sala tem até alguns livros paradidáticos, de leitura, mas assim, não tem coleções, tem muito livro de professor, de anos anteriores que ficam para pesquisa e tem alguns livros de literatura para as crianças fazerem leitura”, diz.
Quando a criança tem contato com a biblioteca desde as séries iniciais, ela cria ali um apego pela leitura, é claro que aqui estamos colocando situações em que a biblioteca é bem trabalhada, como um suporte pedagógico. Porque existe uma diferença entre uma biblioteca e uma sala de leitura, um depósito de livros. A criança quando ela tem esse contato com a biblioteca ela vai se inteirando, se acostumando com esse ambiente, faz uma enorme diferença na educação e no aprendizado dela”, explica a bibliotecária Priscila Guarate.
A escola atende crianças do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental no período da manhã e tarde, já durante a noite as turmas são do EJA, do primeiro ao oitavo ano. Ao todo, entre os turnos da manhã e da tarde, 540 alunos são atendidos. Andrea explica que a biblioteca fica aberta durante todo o horário das aulas, e que as crianças têm livre acesso durante os intervalos.
Em relação a projetos de incentivo a leitura, a diretora explica que não há, pois cada professora pode seguir o seu plano pedagógico e decidir se vai usar ou não o espaço da biblioteca, ou utilizar os livros em sala de aula “dentro do planejamento elas escolhem o dia que vão ir para a sala de leitura, nem todas vão”. Ainda assim, ela salienta que as crianças podem levar os livros para casa, através do sistema de empréstimo e ficha cadastral.
A respeito da profissional responsável pela biblioteca, a diretora explica: “os livros estão separados por faixa etária e temos uma profissional responsável, ela fica como apoio para as professoras. Ela é uma pessoa readaptada, trabalhava na cozinha mas teve um AVC e está readaptada, ela não é especialista em biblioteca e nem professora, mas presta esse apoio. Geralmente a secretaria pede que a gente use um profissional readaptado, em grande parte das escolas, não tem um profissional da área”.
A educadora Jussara Pimenta explica que os profissionais readaptados não participam de cursos ou qualquer preparo para atuar e cuidar da biblioteca. “O professor readaptado é aquele que está em fim de carreira, perto de aposentar, é aquele professor que tem algum problema de saúde, que pode ser problema psicológico, oftalmológico, de garganta, tem um laudo que não pode mais dar aula e então ele vai para a biblioteca, e quando ele vai para a biblioteca ele sofre um desvio de função, porque ele não fez nenhum curso e não está preparado para trabalhar ali, às vezes ele vai apenas para cumprir a sua carga horária, ele não tem preparação, não tem incentivo, às vezes está doente, perto de aposentar e não tem afinidade com a área”, evidencia.
Quando a gente entra na faculdade e passa por todo esse processo de formação nós aprendemos mais do que a parte técnica da profissão, que é organizar livros, catalogar, fazer inventário e empréstimo. A gente aprende ali como cativar os leitores, como trabalhar a biblioteca como um ambiente para disseminar a informação e o conhecimento, porque esse é o foco. Quando você tem um profissional que não foi treinado e preparado para isso, ele vai desencantar, ele vai afastar as pessoas. A pessoa não vai trabalhar da mesma forma que um profissional formado trabalharia, ela não vai ter o mesmo olhar, o mesmo amor, ela não vai conseguir entregar a mesma coisa que um bibliotecário entregaria, então isso impacta diretamente na disseminação do conhecimento, que vai afetar a criança, vai afetar o professor, que vai afetar a escola, porque está tudo interligado”, destaca a bibliotecária Priscila Guarate.
A biblioteca da escola Antônio Ferreira não tem computadores e nem rede de internet para pesquisas ou para a responsável, ela possui mesas e cadeiras, e a grande parte dos livros que estão nas prateleiras são didáticos de uso do professor. Ao fim da conversa, Andrea informa que não existem planos próximos para a melhoria da biblioteca, pois aguarda a chegada de um profissional em biblioteconomia, para cuidar da manutenção e organização dos acervos.
Para Jussara Pimenta, o trabalho de incentivo à leitura nas escolas precisa ser coletivo, toda a equipe pedagógica, incluindo direção e professores, devem trabalhar juntos e desenvolver projetos que incentivem as crianças a ganhar gosto pela leitura. A pedagoga conhece bem a realidade das bibliotecas escolares em Porto Velho e sabe a importância que um profissional qualificado e incentivado tem na formação de alunos leitores, e também entende que a prefeitura tem papel fundamental em tudo isso. O governo entra desde o fornecimento da estrutura adequada para a implantação da biblioteca até a disponibilidade de acervos literários e equipamentos tecnológicos e mobiliários, além de locar os profissionais formados em biblioteconomia para cuidar do espaço.
Pimenta também afirma a necessidade da capacitação profissional durante os cursos de formação. Ela diz que não há disciplinas nas universidades que ensinam os professores em formação sobre a importância da biblioteca e de trabalhar o incentivo à leitura com as crianças.
Ao longo desse tempo que eu venho pesquisando as bibliotecas escolares, a minha constatação é a mesma, na maioria das escolas a biblioteca não tem uma importância muito grande. Pode ser a melhor escola, geralmente a biblioteca não tem muito significado, porque os cursos de formação dos professores não trabalham a importância da biblioteca na educação, tanto a pedagogia quanto as outras licenciaturas. A biblioteca é um local importante, é um local que precisa ser bem organizado, bem estruturado, ter pessoas qualificadas, incentivadas, com bom salário, com uma boa estrutura, com livros, um grande acervo. Os profissionais precisam ser sensibilizados, conscientizados, perceber a importância da biblioteca na descoberta [dos alunos] do gosto pela leitura, trabalhar com as crianças, implantar projetos. Não adianta dar mais 10 anos para as escolas cumprirem a Lei, elas não vão se organizar por si mesmas, é preciso ter verbas e incentivo para isso, é preciso ter estrutura para que a escola implante a biblioteca”, finaliza Jussara Pimenta.
Em comunicado através de uma rede social, o Conselho Federal de Biblioteconomia informou que a Lei nº 12.244 está em pleno vigor e não sofreu nenhuma alteração desde a sua promulgação. O comunicado informou que o prazo de 10 anos, estipulado pela norma, venceu em maio de 2020. Por fim, a nota indica que a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados realizará uma audiência pública, objetivando discutir os desafios para a efetivação da Lei.
Porto Velho ainda tem um árduo caminho até a universalização das bibliotecas escolares na rede municipal de ensino. Mas a leitura é fundamental para o desenvolvimento da criança, ela estimula a criatividade, melhora a escrita, incentiva a imaginação e colabora na aquisição de cultura e conhecimento. Por isso, o acesso aos livros não pode ser negligenciado e precisa ser acessível.
Escolas com biblioteca escolar na Rede Municipal Pública de Ensino em Porto Velho:
EMEF Profº Manoel Granjeiro
EMEF Nossa Senhora de Nazaré
EMEF Nossa Senhora Aparecida
EMEF Valdeci Teixeira Lima
EMEF Marco Azul II
EMEF Santa Júlia
EMEF Henrique Dias
EMEF Ely Bezerra de Salles
EMEF Engº Wadih Darwuich Zacarias
EMEF Profª Estela de Araujo Compasso
EMEF Vôo da Juriti
EMEF Manoel Aparício Nunes Almeida
EMEF Joaquim Vicente Rondon
EMEF Padre Chiquinho
EMEF Profº Antônio Augusto Rebelo das Chagas
EMEF Antônio Ferreira da Silva
EMEF Maria Isaura da Costa Cruz
IME Engº Francisco Erse
EMEF Herbert de Alencar
EMEF Pé de Murici
EMEF Senador Olavo Gomes Pires
EMEF Senador Darcy Ribeiro
EMEF Maria Francisca de Jesus Gonçalves