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Preconceito não é marca de macho

por José Kennedy Lopes*

O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), em 2016, aponta os três maiores fatores de riscos para o câncer de próstata: histórico familiar, raça/cor e idade. O último fator, todavia, é o único que se apresenta bem diagnosticado para o desenvolvimento da doença. A maioria dos casos é identificado após os 65 anos. Foram estimados 61.200 novos casos de câncer de próstata no Brasil, em 2016; no estado de Rondônia, foram cerca de 290 novos casos. A doença só perde para o câncer de pele, que ocupa o primeiro lugar.

Os dados do INCA nos remetem à discussão do machismo, comportamento que impede homens de se submeterem aos exames; e, consequentemente, se detectado o câncer, tratá-lo. Muitos homens ainda têm dificuldades para entender a importância do exame do toque e quebrar seus preconceitos em relação a este procedimento. Por isso, o agente do machismo também é sua vítima. Quantos homens deixam de diagnosticar o câncer de próstata devido ao medo do “toquinho no reto”? Como se isso fosse uma afronta a sua masculinidade.

“O dedo do médico não era azul, o mês não era azul, mas as atitudes de vencer o machismo e o preconceito em relação ao exame de toque são importantíssimas para que possamos ter dias azuis com os nossos país, tios, avós, irmãos e amigos”

Eu presenciei algumas situações que ilustram a presença do machismo e o quanto ele pode matar também os homens, o quanto eles são vítimas da própria arma que produzem. Meu pai trabalha em uma indústria madeireira, com cerca de 20 colegas homens, todos com idades suficientes para fazer o “bendito toquinho”. Machos e viris, cuja virilidade e macheza não resistem a possibilidade de um “toquinho no botão”, como diz a minha querida sogrinha mineira. Para meu pai, fazer o exame do toque foi necessário praticamente uma carta de oferta e uma procissão de fé da minha mãe, além de minha esposa e eu prometermos que não reclamaríamos mais quando ele estivesse ouvindo Joelma, Chimbinha e toda a Banda Calypso, Bruno & Marrone, entre outros, no mais alto volume nas manhãs de domingo.

Além das promessas eloquentes, um dos colegas de trabalho dele foi fazer o “bendito” exame e, pasmem, este colega voltou sorrindo para o trabalho após o exame. Meu pai logo estranhou aquilo. Mesmo assim continuou reticente com a ideia de encarar o urologista “com dedo grosso”, como ele dizia. Ele achava estranho o colega estar feliz e tranquilo após a “traumática” perda da virgindade do reto. Meu pai, como bom pernambucano, macho, filho e neto de cangaceiro, ainda não compreendia a tranquilidade de seu fiel escudeiro de trabalho, “algo aconteceu naquele consultório?”, “isso não tá certo”, “preciso ver isso pessoalmente”, bradava em alguns momentos. E completava a frase com o sorriso de sempre: “mas esse Doutor não vai tocar em mim não”.

As promessas valeram a pena, assim como a ida de seu colega ao consultório. Brincadeiras e mais brincadeiras o convenceram que o exame, rápido e indolor, era a decisão mais acertada. Assim, meu pai foi ao consultório. Foi lá perder sua “virgindade” e voltou todo feliz para casa. Verificou que sua saúde estava em dia e não tinha com o que se preocupar. Gostou do médico e continuou o macho pernambucano de sempre. E ainda se juntou ao seu colega para fazer com o que os demais fossem ao consultório para serem tocados pelo médico do “dedo mágico”.

O dedo do médico não era azul, o mês não era azul, mas as atitudes de vencer o machismo e o preconceito em relação ao exame de toque são importantíssimas para que possamos ter dias azuis com os nossos país, tios, avós, irmãos e amigos. Façam promessas, escutem Banda Calypso, Bruno & Marrone, mas não deixem de receber o toque no “xiri” quando estiverem próximos aos 40 anos. Como eu já estou com quase 40, quero saber qual será a promessa que meu pai terá de fazer para eu ir encarar o dedo mágico do doutor? Uma história mais trágica é a do meu sogro, vítima de câncer de próstata em 2008. Morreu por ter descoberto o câncer tarde demais; viveu, após o diagnóstico, menos de um ano, falecendo 3 dias depois do aniversário de uma de suas filhas. Era agosto. Não esperemos a morte chegar. Sejamos corajosos, homens. Afinal, a coragem é a marca do macho, não o preconceito.

* Professor no Departamento de Administração da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), campus Vilhena

Morcegada

Site jornalístico supervisionado pelo professor e jornalista Allysson Viana Martins, vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Um comentário sobre “Preconceito não é marca de macho

  • Parabéns a José Kennedy Lopes pelo artigo, em linguagem bem-humorada, mostrando a necessidade de os homens se prevenirem contra o câncer de próstata.

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