Veneno de cobra serve para tratamento de doenças
Moléculas presentes no veneno são eficazes na eliminação de microorganismos causadores de enfermidades
por Lierbeson Pimentel e Stefani Albuquerque
Malária, leishmaniose e COVID-19 estão entre as doenças investigadas pelos pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Há 10 anos, eles têm buscado em venenos de serpentes o desenvolvimento de novos medicamentos. A pesquisa pretende tratar principalmente doenças endêmicas causadas por bactérias, vírus e até mesmo câncer.
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Os pesquisadores são coordenados pelo doutor em Ciências Biológicas e professor da UNIR, Leonardo Calderon. Eles utilizaram o veneno das serpentes em pequenas frações, até que encontraram uma toxina capaz de eliminar os parasitas causadores da leishmaniose e da malária.
Matar a Leishmania, protozoário causador da leishmaniose, não é tão simples, porque ele tem um sistema de defesa que o faz se esconder dentro dos macrófagos, que são as células de defesa do organismo”, explica.
É necessário encontrar a molécula certa, pois o sistema de defesa do corpo humano pode acabar reconhecendo o tratamento como um invasor. Isso o faria criar anticorpos para eliminar a toxina antes de ela agir contra o protozoário.
A enzima estudada para o tratamento da leishmaniose foi a crotamina, obtida através do veneno de cascavel. Em conjunto com a terapia convencional, é possível potencializar a ação do medicamento e frear o parasita causador da doença.
Quando um réptil ataca a sua presa, a toxina liberada age diretamente nas células da vítima, causando o relaxamento dos vasos sanguíneos. A presa sofre com a queda de pressão arterial e facilita o ataque final do predador. É esse fenômeno que pode contribuir para o combate das doenças. A substância encontrada no veneno das serpentes é rica em peptídeos, um conjunto de moléculas bioativas que compõem as proteínas.
As toxinas obtidas nesse processo nem sempre têm o potencial para se tornarem terapêuticas. Isso acontece porque algumas matam também células humanas. São poucas as que têm afinidade para exterminar apenas as proteínas dos parasitas sem causar danos ao corpo humano.

Os testes em laboratório da toxicidade com as moléculas retiradas do veneno são feitos com células humanas e têm apresentado ótimos resultados, segundo Calderon. Para que sejam aprovados como medicamentos eficazes, eles devem passar ainda por uma série de avaliações em seres vivos.
Pulando o teste em animais, que agora é dificilmente utilizado na indústria cosmética, a terapia seria testada em humanos em 2020, mas, por causa da pandemia, tudo foi congelado”, pontua Calderon.
A nova terapia deve buscar ser totalmente segura e não se diferenciar de outras drogas encontradas nas farmácias, em questão de toxicidade às células.
O seu histórico pode facilitar na criação de produtos para o tratamento de câncer em animais, que está em fase inicial de pesquisa. Outro uso é na Odontologia, pois muitos medicamentos dessa área causam efeitos adversos, como o amarelamento dos dentes. Com os novos medicamentos criados a partir dos peptídeos da toxina, é possível evitar o aparecimento de efeitos colaterais.
MOLÉCULAS EM COMPUTADOR
As moléculas eram geradas manualmente, no início da pesquisa. Por não apresentarem resultados satisfatórios, o método foi alterado para a geração em computador. Os trabalhos passaram a ser feitos de forma totalmente virtual. Isso implicou em uma maior rapidez no estudo e em um menor custo de desenvolvimento, evitando o uso de equipamentos mais caros.
A molécula é calculada e as simulações são realizadas por meio de uma linguagem de programação. Mesmo com as simulações virtuais das biomoléculas, não é possível garantir que elas funcionem em teste com humanos. Segundo o biomédico, Aleff Ferreira, cada corpo possui suas particularidades. “É uma simulação baseada em equações matemáticas e pode ser que aconteça algo totalmente diferente na prática”, acrescenta.
O responsável pela criação dos scripts que fazem as simulações das moléculas é Kaio da Silva, professor de Ciências da Computação e pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO). As simulações evitam a destinação de recursos na compra de moléculas.
“A parte computacional entra para que, quando as biomoléculas cheguem ao teste prático, de bancada, tenhamos já uma certeza se elas funcionarão ou não, o que evita o descarte desnecessário”, argumenta. Antes, um estudo com 1 milhão de moléculas levaria meses. O computador consegue fazer a mesma atividade em um tempo bem menor.
TRATAMENTO PARA A COVID-19
A utilização dessas moléculas está sendo estudada também para combater o novo coronavírus. Devido às suas constantes mutações, os pesquisadores ainda estão presos a um ciclo de desenvolver e recomeçar os trabalhos a cada nova mudança, principalmente por se tratar de um estudo novo e de um vírus até então desconhecido.
A quantidade de mutações que o Sars-CoV-2 gera nas proteínas dele tem deixado a gente louco, porque você passa um tempão selecionando a molécula, aí vem uma mutação nova. Você vai ver e a mutação é exatamente no lugar onde agia a sua molécula, então, você volta a molécula para a simulação e tem que fazer tudo de novo”, relata Leonardo Calderon.
A primeira versão das moléculas foi criada para tratar o primeiro tipo do vírus causador da COVID-19 a circular no mundo, mas precisou ser descartada. As novas moléculas estão sendo desenvolvidas para as duas mais recentes mutações. Como o gerador é flexível, é possível acompanhá-las e adaptá-las sempre que houver novas variantes.