Madeira transformou vila de Vilhena em polo industrial
Indústria madeireira impulsionou economia local, mas florestas foram exploradas até exaurir seus recursos
por Gustavo Ozeika
A história dos que chegaram à Vilhena entre as décadas de 1970 e 80 está diretamente ligada à indústria madeireira. As lembranças de uma época marcada por atoleiros, fumaça, pó-de-serra e toras colossais de mogno surgem na memória de todos que estavam na cidade naqueles anos iniciais. Empresários acumularam fortunas com a floresta derrubada. Serrarias empregavam direta e indiretamente milhares de trabalhadores. A madeira era a base da economia do vilarejo mais ao sul da Região Norte.
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A vila de Vilhena, em 1969, não era mais do que um amontoado de casebres e pequenos barracões de madeira, onde residiam cerca de 160 famílias. As ruas empoeiradas no verão se transformavam em lamaçais durante o inverno amazônico, tradicionalmente chamado de “época das chuvas”.
A atual Avenida Major Amarante, paralela à rodovia BR 364, era o coração da pequena localidade. Em sua área central, próximo onde hoje é a agência da Caixa Econômica Federal, foi improvisada a rodoviária. Dezenas de pessoas, famílias inteiras, a maioria provenientes da Região Sul, desembarcavam diariamente após uma penosa viagem que poderia durar semanas. No início da década de 1980, a população já era estimada em mais de 22 mil habitantes.
Nos anos de 1970, auge da ditadura militar, o governo federal estava preocupado com o fortalecimento da segurança nacional. Através de sua política de integração e colonização das áreas de fronteira, criou os Programas Integrados de Colonização (PIC), estimulando assentamentos de trabalhadores rurais que já eram mão-de-obra excedente em outras regiões do Brasil. Levas de imigrantes chegavam ao então Território Federal de Rondônia na esperança de conseguir um lote de terra.
As dificuldades da estrada, porém, eram apenas o início dos desafios a quem pretendia um pedaço das terras amazônicas. O calor, os mosquitos, as doenças tropicais e os animais selvagens assombravam os forasteiros. A energia elétrica era na base de geradores a diesel e tinha horário limitado. A água era de poço ou do rio Pires de Sá. Os colonos passavam dias nas filas para obter suas cartas de ocupação, dormindo na rua, em frente ao escritório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Muitos desistiam e voltavam para seus lugares de origem.
PONTO DE PASSAGEM
Nesse contexto Vilhena era apenas um ponto de transição para os imigrantes. O escritório local do INCRA fazia o cadastramento de famílias que pretendiam um lote no PIC batizado Paulo de Assis Ribeiro. O assentamento contemplou cerca de 3.500 famílias e deu origem às cidades de Cabixi, Cerejeiras, Colorado do Oeste e Corumbiara. O local era de difícil acesso principalmente no período chuvoso. As famílias que conseguiam seus lotes eram encaminhadas através de picadas abertas em meio à selva, chamadas de linhas.
Entre as exigências para a obtenção do título definitivo da posse dos lotes de 100 hectares estava a abertura, ou derrubada, de ao menos 50% da área. A região era rica em madeiras nobres como mogno e cerejeira. Isso logo atraiu o interesse de outro perfil de imigrante: o empresário madeireiro de pequeno, médio e grande porte.
FLORESTA DERRUBADA
A partir de 1975, o que se vê é uma crescimento vertiginoso do número serrarias, marcenarias e laminados. A oferta da madeira era farta e a fiscalização quase inexistente. Aliado a isso, grandes empresas obtinham incentivos financeiros e fiscais para se instalar na Amazônia. A madeira serrada abastecia mercados do Sul, Sudeste e até mesmo Europa. Além disso, havia grande demanda local com a construção de casas e produção de móveis.

A construção de estradas fazia parte do plano nacional de integração. Em 1984, a BR 364 ganhou pavimentação. A expansão da malha rodoviária facilitou escoar a madeira explorada no estado de Rondônia e contribui para o crescimento do setor madeireiro. Entre as maiores madeireiras, destacavam-se Stil Madeiras, Madeireira Martendal, Madeireira Bagattoli, Madeireira Cáceres, Serraria Cabixi, entre outras.
De acordo com dados de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, Vilhena chegou a possuir 111 empresas voltadas ao corte e beneficiamento de madeiras em 1985. As florestas da região foram exploradas a exaustão a ponto de escassear a matéria prima. As grandes serrarias se mudaram para regiões com maior oferta de madeira como Ji-Paraná e Rolim de Moura. A maioria dos empresários mudou de ramo com o passar dos anos. Muitos investiram em agricultura, pecuária e transporte rodoviário.

Vilhenenses relembram o período da indústria madeireira
“Para vir para cá era preciso ter dinheiro, reservas. A viagem era cara, viver aqui era caro. Quem era pobre não tinha condições de vir”, Adonias Coelho
“A fumaça branca das caldeiras era constante. Dependendo da posição do vento ela tomava conta da cidade. Tudo tinha uma camada fina de pó-de-serra”, Ana Cinquini
“Eu era molecote quando viemos pra cá. Nós tínhamos três caminhões e a gente puxava tora do mato para as serrarias. Às vezes só dava pra carregar uma tora de cada vez no caminhão de tão grande e pesada que elas eram”, Antônio Marcelo de Oliveira
“As madeiras empregavam muita gente. Só ficava parado quem não queria trabalhar. Quando a madeira acabou todo mundo teve que mudar de ramo. Fico triste em saber que muitos amigos da época, inclusive madeireiros, não tiveram visão e acabaram não indo pra frente”, Arlindo Nenzão
“Nós tínhamos uma pequena serra no Paraná. Vendemos o que tínhamos lá, casa, terra e viemos para cá para mexer com madeira”, Celso Schneider
“Tinha tanta madeira naquela época que às vezes abandonavam toras de mogno no meio do campo só porque tinha algum defeitinho. Tinha tora que a circunferência era maior que um homem adulto em pé”, Clemente Rodrigues
“Meu primeiro emprego foi no escritório de uma serraria”, Marcelo Abrão
“Vilhena era o único lugar que ainda tinha algum recurso como hospital, médico, farmácia. Lá pro meio do mato, em Colorado e Cabixi, não tinha nada. Por isso a turma foi se instalando por aqui em Vilhena mesmo”, Paulo Goebel
“Quando o apito tocava na serraria, às 7h da manhã, a gente sabia que estava atrasado para ir à escola”, Raimundo Vieira
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