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FACES DE RODRIGO: professor traz nuances de artista para cotidiano

Corpo serve para discussão e politização em suas obras

por Alynne Alves e Jacqueline da Paixão

Se definir em algumas palavras parece arriscado e ousado, mas para Rodrigo PC, formado em Filosofia, mestre em Ciências Sociais, doutor em Educação, isso faz parte do seu dia a dia. Rodrigo Pedro Casteleira é uma bixa preta, performer e professor universitário.

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PC é alguém que não performa heteronormatividade, que é quando se assume automaticamente que todos são heterossexuais, tendo isso como a norma e o padrão. Mas ele revela que é a questão racial que sempre bate primeiro. Como essas duas características estão estampadas em seu corpo, o preconceito vem de ambos os lados, tanto por ser negro como por ser homossexual, gay, bixa, viado, afeminado.

Em 2020, Rodrigo promove formação sobre diversidade na Escola Dep. Genival Nunes da Costa, em Vilhena. Fonte: Rodrigo

O Rodrigo que transita nos espaços públicos é para muitos apenas mais um homem negro. Ele não tem o seu currículo Lattes ou o seu título de doutor estampado na testa. Por não trazer em seu rosto suas qualificações acadêmicas, isso confunde muitas pessoas. “Eu nunca sou lido como doutor fora do espaço acadêmico, às vezes nem nesse próprio espaço”, comenta.

É comum relembrar a colegas que estão falando com alguém igual a eles. A ideia para alguns é que um homem negro não seria capaz de ocupar um lugar mais privilegiado, como o de um professor de universidade federal.

CASTELEIRA, O PROFESSOR

Rodrigo Casteleira veio do Sul para o Norte do país graças às políticas públicas. Elas tentam equilibrar os acessos das pessoas não brancas a espaços de poder, e o professor lhes atribui a responsabilidade de estar onde chegou.

Embora reconheça a sua importância, Rodrigo utilizou diretamente essas políticas somente uma vez. Isso aconteceu em 2019, quando ingressou na UNIR como docente de ensino superior. “Os espaços que ocupei eram fechados para o sistema de cotas. Por muito tempo, os concursos, as seleções ou os editais não eram tão democráticos a essa política específica”, relata.

Andar em espaços públicos mais elitistas com características consideradas fora do padrão, como cabelo, roupa, cor e tatuagem, é sinônimo de constante alerta. Para sobreviver nesses meios, é necessário estar atento para um olhar diferente, que expresse o preconceito.

Exercícios físicos e alimentação saudável são algumas das gentilezas que toma para si mesmo para não se abalar. “Tento utilizar a arte como modo de não adoecer também, uma espécie de produção do que me desconforta, para reverberar em alguém de algum modo”, revela.

PC, O ARTISTA

A arte está presente na vida do professor de multifacetas desde pequeno. Na época, ele tinha um conhecimento limitado para compreender outros olhares. Porém, ele se mostrava inquieto desde criança, brincava com argila e papel machê. Essa inquietude reflete na sua criatividade até os dias atuais.

Cinco performances, além de trabalhos fotográficos e de vídeo foram produzidos em 5 anos. Rodrigo sente a importância de instigar o público a repensar situações cotidianas. Com as performances em vídeo, ele oferece o contato com uma modalidade da arte ainda vista como marginal por muitas pessoas.

Em menos de três meses em Vilhena, foi chamado para realizar sua primeira performance. Ele chegou à cidade em 2019, após ser aprovado no concurso para se tornar professor. Este era seu primeiro contato com os seus alunos do curso de Pedagogia da UNIR e com quem passava pela área comum da instituição, na recepção dos calouros.

A apresentação se chamou (A)porte. A provocação serve para pensarmos o que nos sustenta como aporte teórico ao mesmo tempo que portamos essas teorias também fora da academia. “Eu estava coberto por dezenas de livros com a ideia de que em algum momento meu corpo fosse descoberto pelas pessoas à volta da mesa”, fala.

O artista revela que sua performance favorita é Linhas de Exú. Ela não foi sua primeira apresentação, mas desperta sua vulnerabilidade por não conseguir ver as pessoas e não saber a reação de cada um. A apresentação consiste em Rodrigo sentado em um banco praticamente imóvel, com muitas linhas vermelhas no corpo criando uma espécie de manto. Ele usa ainda um adereço na cabeça para cobrir todo o rosto.

O objetivo é que a pessoa olhe para esse corpo preto e não o reconheça. É uma evocação e invocação aos orixás, principalmente Exú, o guardião das encruzilhadas, das entradas e das saídas. Uma garrafa de cachaça em uma mão, e nada na outra. À sua frente, um caldeirão de ferro com velas, isqueiros e vários papéis de comandos específicos do lado. Os documentos contêm ações que vão ser executadas por quem participa da performance, como: “conte um segredo”, “pague o que me deve” ou “beba comigo”.

Para PC, o mais interessante de todos é “pague o que me deve”. As pessoas não sabem o que fazer e como fazer, o que desperta o encanto do artista. “Lembro até hoje de dois jovens que disseram ‘Pagar o que me deve? Mas eu não devo nada’. Não dispara nessas pessoas o dever histórico enquanto um processo de colonização, e é isso que me incomoda, me aguça e me interessa também”, comenta.

Apesar de levar essa vida cheia de variáveis, Rodrigo também pratica atividades mais comuns, como ler livros e ver filmes. Mas é a expressão artística que nunca sai da sua rotina. Ele tem a necessidade de experimentar novos caminhos desse campo, pensar e repensar processos criativos, articular memórias nas tentativas de materializar alguma produção.

Rodrigo tem duas partes que se completam, o PC com o Casteleira, o artista com o professor. Elas são metades, mas também inteiras, que moram em sua personalidade e se complementam para conceber sua identidade única.

Morcegada

Site jornalístico supervisionado pelo professor e jornalista Allysson Viana Martins, vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

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