Quando a cultura pop asiática e geek ganha sotaque amazônico rondoniense
Rondônia tem um dos maiores eventos de cultura pop asiática e geek do Norte.
Por Karen Cavalcante e Débora Costa

Foi em Rondônia, entre o calor amazônico e o cenário urbano de Porto Velho, que surgiu um dos eventos de cultura pop asiática mais longevos da Região Norte. O Kaminari nasceu em 2006, após a mobilização de jovens em uma comunidade do Orkut, a “Queremos eventos de anime em Porto Velho”, que reivindicava a realização de encontros voltados a animes e mangás na capital.
O que começou como uma iniciativa informal entre amigos ganhou corpo ao longo dos anos, consolidando-se como espaço para apresentações de dança, cosplay, ilustração e comercialização de produtos ligados ao universo geek.
A próxima edição está marcada para os dias 5 e 6 de julho, em Porto Velho.
O desejo de jovens por um palco cultural próprio
O termo Kaminari, que significa “trovão” em japonês, foi inspirado por um fansuber, grupo que legendava animes para a internet, do qual participava o fundador do evento, Pedro Régis.

Pedro Régis, explica como tudo começou: “Como eu estudava em Brasília, tinha mais contato com esse tipo de eventos. Fiz parte de um fansuber que legendava animes para compartilhar na internet e levava o nome de Kaminari. Criei um clubinho de animes chamado Kaminari no meu colégio em Brasília e, quando voltei para Porto Velho e vi que ninguém se oferecia para tentar fazer algo do tipo, então resolvi fazer”.
A ideia inicial era provar que existia público na capital rondoniense e que o evento teria retorno. Segundo Régis, no começo o nome era apenas Kaminari Porto Velho. Com o aumento da participação de pessoas de todo o estado, o nome mudou para Kaminari Rondônia.
Hoje, em sua 19ª edição, o evento ampliou seu foco e abrange diferentes vertentes da cultura geek, além da influência pop asiática. A programação inclui ficção científica, fantasia, jogos, quadrinhos, filmes, séries e outras expressões. O público pode acompanhar apresentações de dança e música, além de visitar estandes com itens colecionáveis e comidas temáticas.
Veja no vídeo, a seguir:
Mesmo com a expansão, o evento ainda lida com obstáculos. Sem apoio institucional e com poucas opções de espaços adequados, os organizadores mudam o local a cada edição. Desde a criação, o Kaminari já passou por quadras escolares, clubes e casas de eventos. A adesão do público tem mantido o evento ativo, mesmo sem grandes patrocínios.
A cultura como abrigo e ferramenta de identidade
Antes da pandemia, a maior parte do público era composta por estudantes do ensino médio e universitários. Para muitos, esse tipo de cultura oferece alívio diante das pressões da rotina escolar ou acadêmica.
Com o crescimento das plataformas de streaming durante a pandemia de Covid-19, o acesso aos animes aumentou. Segundo uma matéria do G1, o Brasil é o terceiro maior consumidor de animes do mundo, atrás apenas do Japão e da China. Em 2020, enquanto a indústria de cinema dos Estados Unidos e Japão caiu até 80% na bilheteria, a indústria de anime perdeu apenas 3,5%, com valor de mercado estimado em US$ 21,3 bilhões.

Em Rondônia, o impacto não foi diferente, isso ampliou o alcance do evento que passou a atrair famílias inteiras, inclusive crianças acompanhadas por adultos e que também se identificam com os temas.
O professor Felipe Paros, do Departamento de Artes da Universidade Federal de Rondônia (Unir), especialista em Linguagens das Artes, reforça essa leitura. Para ele, o Kaminari representa um espaço seguro e inclusivo, onde as pessoas encontram liberdade para ser quem são.

“Muitas vezes, quem se apaixona pela cultura geek e pop japonesa ou asiática, é a figura que se vê tachada como nerd e esquisito, que em outros ambientes sociais não vai ter esse espaço de ser quem ele é, e de compartilhar o que gosta”, afirma o professor Felipe Paros.
Paros também destaca que o evento reúne pessoas com diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, além de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) que se sentem acolhidas e livres para se expressarem de forma autêntica.
Durante uma roda de conversa realizada em 11 de junho na Galeria de Arte da Unir, e mediada por Paros, o fundador do Kaminari foi convidado a relatar sua trajetória. O objetivo era aproximar os estudantes de diferentes expressões culturais por meio de convidados com perfis variados.

“O Kaminari começou com oito ou nove estudantes e sobreviveu ao longo dos anos sem grandes patrocínios ou apoio estatal. É um exemplo claro de como um evento cultural pode se manter ativo apenas pela paixão de quem participa”, destaca Paros.
Segundo ele, o projeto representa um importante objeto de estudo para pesquisadores e estudantes. Quando manifestações como a cultura geek, otaku e cosplayer alcançam jovens amazônidas, especialmente em Rondônia, passam a assumir características próprias. “Essas expressões, vividas por jovens de Rondônia, tornam-se, de fato, a cultura geek, otaku e cosplayer rondoniense”, conclui.
Expressões artísticas no palco
À medida que a data se aproxima, cresce a procura por costureiras e casas de armarinho para a confecção de cosplays. Com isso, a escolha do personagem, a criação da fantasia, a trilha sonora e o preparo da performance funcionam como formas de expressão pessoal e artística.
Matheus Acácio, 21, é cosplayer e se prepara para o Kaminari. “Desde o início, sempre admirei os cosplayers e os veteranos do Kaminari que vão fantasiados. Comecei em 2022, indo como Homem-Aranha flamenguista. Foi um estouro, todo mundo gostou e tirou fotos”, recorda.

Neste ano, cogitou representar Okarun, personagem do anime Dan Dan Dan, lançado em 2024. Por imprevistos, escolheu outro personagem, que revelará apenas no evento, enquanto finaliza a performance e os trajes.
Acácio afirma que o que mais o atrai na cultura pop asiática é a criatividade e a variedade de conteúdos. “É muito interessante e me prende muito. Comecei com Naruto e Dragon Ball, e hoje acompanho One Piece, Dan Dan Dan e Blue Lock”, diz.
O caso mostra como referências globais se adaptam ao contexto regional, o que reflete nas escolhas e performances dos participantes. Exemplo disso foi a criação do Homem-Aranha flamenguista, quando uniu o personagem ao time do coração e conquistou a atenção do público no evento.
Ele também observa que a cultura cosplay no estado tem ganhado visibilidade. “Hoje vejo crianças, adolescentes, jovens e adultos participando. Tem mais gente interessada, e acredito que a tendência da cultura asiática e geek é crescer ainda mais”, conclui.
Além dos cosplayers, os dançarinos também têm marcado presença no Kaminari. Muitos participam em busca de visibilidade e espaço para mostrar seu trabalho. A presença de grupos de diferentes lugares contribui para o intercâmbio cultural e reforça o reconhecimento dos artistas. Um exemplo disso é o dançarino Highlander, 31, que já se apresentou em uma das edições.
Com mais de duas décadas dedicadas à dança, Highlander tem presença marcante no cenário K-Cover de Rondônia. A relação com o K-pop começou em 2006, ainda nos tempos de escola, quando passou a se apresentar sozinho. O ponto de virada veio em 2014, com a participação no primeiro concurso K-pop promovido pelo evento Kaminari, palco que marcou sua entrada oficial nos concursos, tanto como dançarino quanto como cosplayer.
Para Highlander, a falta de estrutura e apoio mais adequado aos eventos é uma das principais dificuldades enfrentadas por quem acompanha o meio.

“Falta estrutura e principalmente apoio para que os eventos possam continuar crescendo e se tornarem referência, como tantos que estão aí há bem menos tempo”, observa Highlander.
Apesar disso, ele reconhece que esses espaços seguem importantes para a promoção da cultura asiática na região. Ao relembrar sua trajetória, destaca a relevância do Kaminari.
“Por muito tempo, o Kaminari foi o único concurso K-Cover do estado. Ganhar alguns deles me ajudou a ser reconhecido no meio e ser convidado para eventos fora de Porto Velho, tanto como competidor quanto como jurado. Isso agregou muito ao meu currículo profissional de dança”, declara Highlander.
Na edição 2025, o foco será o concurso de cosplay. Mesmo com as mudanças no formato do evento, Highlander mantém o entusiasmo. Segundo ele, a expectativa é apresentar uma performance marcante e, quem sabe, conquistar mais uma premiação.
Expectativas para a nova edição
A cada edição, o Kaminari amplia o espaço dedicado à cultura pop asiática na região. A próxima edição acontecerá em um espaço maior, na faculdade Unisapiens, com mais de 15 salas para atrações diversificadas, como games, oficinas, k-pop, biblioteca de mangás, RPG de mesa, espaço cosplay e competições de League of Legends, anime-ke e cosplay. Também haverá praça de alimentação.
Está confirmada a participação especial do dublador e cantor brasileiro Raphael Rossatto, conhecido por dar voz a personagens como Garfield no filme Garfield: Fora de Casa, Mario em Super Mario Bros: O Filme, Guy em Os Croods, Kristoff em Frozen e Fullbody no anime One Piece. Ele também dubla diversos jogos, entre eles Kayn em League of Legends e Alexios em Assassin’s Creed Odyssey, além de atuar como dublador do ator Chris Pratt em filmes da Marvel e de José Bezerra nas canções de Enrolados, da Disney.
O evento contará ainda com uma mostra de filmes asiáticos e uma roda de conversa, organizada em parceria com o grupo de estudos Arte Construtiva e Poéticas Intersemióticas (Acinte), do Departamento de Artes da Unir.
Mais de 12 lojas participarão para vender produtos relacionados a animes, games e cultura pop e geek.
Informações atualizadas sobre o evento estão disponíveis no perfil oficial no Instagram, neste link.